ATTENAS AULAS

sábado, 30 de novembro de 2013

ATTENAS AULAS

Mais de 70% dos jovens que não estudam nem trabalham são mulheres

  • ATTENAS - UMA ESCOLA PREOCUPADA COM A SOCIEDADE! 
Segundo os pesquisadores, a situação é preocupante para as pessoas de 25 a 29 anos que não trabalhavam e não estudavam, uma vez que 51,5% tinham ensino médio incompleto, 39,2% completo e 9,3% ensino superior incompleto ou completo
29/11/2013
Flávia Villela
Da Agência Brasil
Um em cada cinco jovens brasileiros de 15 a 29 anos não trabalhava nem frequentava a escola em 2012, sendo que cerca de 70% eram mulheres. Os números são resultado da Síntese de Indicadores Sociais – Uma Análise das Condições de Vida dos Brasileiros, divulgada hoje (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O grupo, chamado de nem-nem, reúne 9,6 milhões de pessoas e era maior entre os jovens de 18 a 24 anos de idade (23,4%). No subgrupo de 15 a 17 anos, a proporção foi 9,4%.
Entre as mulheres nem-nem, 58,4% tinham pelo menos um filho. A proporção cresce com a idade: 30% das meninas com idade entre 15 e 17 anos, 51,6% entre 18 a 24 anos e 74,1% do grupo entre 25 e 29 anos.
Aos 19 anos, Thayane dos Santos é mãe de Carlos, de 2 anos. Ela mora na casa da mãe dela com mais dois irmãos. A jovem terminou o ensino médio, mas não estuda nem trabalha. “Não tenho quem fique com ele [Carlos], porque minha mãe trabalha e meus irmãos estudam. Não há creche pública perto de casa e os trabalhos que encontrei pagavam pouco e não daria para eu pagar alguém para cuidar dele”, explicou Thayane, ao contar que teve uma oportunidade de trabalhar em casa de família e em uma loja, mas recusou por causa do filho.
De acordo com a coordenadora-geral da pesquisa, Ana Lúcia Saboia, não é possível atestar uma causa direta entre ter filho e não trabalhar nem estudar. “Precisamos ter uma estrutura melhor de creches, por exemplo. Nós mulheres sabemos como é difícil conciliar trabalho com filho”, comentou ela.
Entre as pessoas de 15 a 17 anos de idade que não frequentavam escola e não trabalhavam, 56,7% não tinham o ensino fundamental completo, embora devessem estar cursando o ensino médio, segundo as recomendações do Ministério da Educação.
Em relação as pessoas de 18 a 24 anos, que deveriam ter ao menos o ensino médio completo, somente 47,4% das que não trabalhavam e não estudavam tinham completado esse nível de ensino. A maioria (52,6%) tinha o ensino médio incompleto.
Segundo os pesquisadores, a situação é preocupante para as pessoas de 25 a 29 anos que não trabalhavam e não estudavam, uma vez que 51,5% tinham ensino médio incompleto, 39,2% completo e 9,3% ensino superior incompleto ou completo.
Segundo o IBGE, entre as mulheres de 15 a 17 anos que não tinham filho, 88,1% estudavam e somente 28,5% das que tinham um filho ou mais estudavam. Um total de 68,7% delas não estudavam nem completaram o ensino médio.
No grupo de mulheres de 18 a 24 anos de idade, 40,9% daquelas que não tinham filho ainda estudavam, 13,4% não estudavam e tinham até o ensino médio incompleto, 45,6% não estudavam e tinham pelo menos o ensino médio completo.
No mesmo grupo etário, entre aquelas que tinham filho, somente 10% estudavam, 56,7% não estudavam e tinham até o ensino médio incompleto, 33,3% não estudavam e tinham pelo menos o ensino médio completo.

Foto: ABr

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A ÁFRICA MORA EM MIM! MITXCHELLL

Por que para o negro não?
José Vicente fala sobre o atraso das universidades paulistas ao resistir às cotas e a falta de representatividade racial no País
Por Lívia Perozim — publicado na edição 67, de junho de 2013
Quinta-feira, 19 horas. É o primeiro dia da semana que o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, vai à instituição com sede no Clube de Regatas Tietê, na marginal de mesmo nome, bairro Armênia. Na fase de conclusão de sua tese de doutorado, o tempo está curto. Atende dois funcionários em sua sala, posa para esta fotografia e sai para o pátio principal para homenagear uma turma de 24 alunos selecionados para estagiar no Bradesco, uma das instituições privadas que ajudam a manter a única faculdade com maioria negra do País. Lá, cada conquista dos 1,8 mil alunos (90% deles são negros declarados) é comemorada. O poder do incentivo José Vicente aprendeu com a vida.  Caçula entre os seis filhos, perdeu o pai com 1 ano de idade. Ainda criança, foi trabalhar na roça com a mãe. Eram boias-frias em Marília, interior de São Paulo. A ajuda de uma vizinha que trabalhava numa escola e a dedicação aos estudos fez dele soldado, advogado e, mais tarde, sociólogo. Nos anos 90, Vicente encabeçou um grupo de pessoas que conseguiam bolsas de estudo para negros em universidades particulares e fundou a Afrobras, ONG que administra a Zumbi dos Palmares. Nesta entrevista, talvez a antepenúltima tarefa da noite da referida quinta-feira, José Vicente explica por que os negros precisam de cotas e outras medidas que diminuam o abismo que os separa de brancos.

CartaCapital: Recentemente, o Supremo Tribunal Federal validou a constitucionalidade das cotas raciais na Universidade de Brasília. O que a decisão representa? 
José Vicente: Essa decisão coloca por terra um falso dilema. Em síntese, a discussão até agora era de que a ciência, a genética, afirmava não haver raça e, por não haver raça, não havia racismo ou desigualdade em razão do racismo. Então, não precisávamos nos preocupar com medidas pontuais. Bastariam as medidas universais e o problema estaria resolvido. Quando comparamos essa ciência, a genética, com a outra ciência, que é a estatística, percebemos uma distorção.  A despeito de não haver raça do ponto de vista biológico, temos um desequilíbrio por causa de um passivo histórico que se reproduz e se concretiza no presente, mantendo o gap entre brancos e negros. Quando o STF assume que estávamos equivocados e que há sim uma distorção em decorrência de tratamentos distintos em razão da cor da pele, do fator racial, o tema finalmente é colocado no seu lugar de racionalidade. Ao mesmo tempo, são legitimadas ações feitas há uma década, como é o caso das cotas raciais da Uerj e da UnB. Nessa perspectiva, essa decisão talvez seja a primeira, em dimensão de importância do Supremo, que tira um discurso falso e coloca um verdadeiro. 

CE: Mesmo diante da decisão do STF, a USP, a Unesp e a Unicamp, as maiores universidades públicas de São Paulo, afirmaram que não vão adotar o sistema de cotas raciais. Os jornais Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo escreveram editoriais contrários às cotas raciais. Por que o estado considerado a “locomotiva do País” se nega a aceitar as cotas?
JV: É uma contradição. O discurso desses setores e de seus representantes, que são esses veículos citados por você, é o da modernidade e da efetividade dos diretos do cidadão. Mas, no momento em que o mundo todo combate o racismo e produz políticas para atender minorias e combater desequilíbrios sociais, o maior e mais poderoso estado da Federação e os seus ambientes de produção de conhecimento e de produção econômica se recusam a se debruçar sobre esse tema e apresentar uma solução, diferentemente do resto de todo o País. É também contradição porque lá no fundo, a bem da verdade, as medidas que hoje estão sendo cristalizadas começaram com parte da representação política de São Paulo. Foi o PSDB, por exemplo, a social-democracia, que definiu e impôs medidas afirmativas de inclusão de negros nos mais variados espaços do País. Foi no governo de Mário Covas que se criaram os conselhos da comunidade negra. As primeiras cotas, principalmente no serviço público, foram criadas no governo de FHC, o Programa de Ação Afirmativa é dele, é de Covas. Depois que a social-democracia define que isso é prioridade, é ela própria que diz, por meio das instituições que comanda há tantos anos, “tem razão, mas vai preso”. É incompreensível. E o pior e mais grave: é papel da Universidade discutir e produzir conhecimento sobre um fenômeno que produza qualquer tipo de desigualdade ou trave o desenvolvimento do progresso e da sociedade. Se as universidades públicas, custeadas com o recurso dos negros paulistas e paulistanos, se recusam a aprimorar, criar políticas e tecnologias, a questão que se coloca é: por que para os negros não? Todos usufruem do espaço do ensino público. A USP, a Unesp e a Unicamp recebem negros dos convênios dos países africanos sem vestibular, por exemplo. Na cidade e no estado de São Paulo existem 37% de negros autodeclarados. Nem no governo estadual nem no municipal temos negro no primeiro, segundo, terceiro e quarto escalões. Dos 6 mil professores da USP, meia dúzia é de negros. Do corpo docente todo, não tem mais que 6%.

CE: São Paulo finge viver uma democracia racial?
JV: O fato é que isso não é uma limitação de São Paulo. É uma limitação de todas as universidades públicas. Apenas 1% dos professores universitários de todo o País é de negros, 1% dos pesquisadores e 1% dos profissionais que trabalham em cargos de maior status nas universidades são negros autodeclarados. Se compararmos com a África do Sul e com os EUA no tempo do apartheid, ficamos corados de vergonha, porque esses países tinham mais negros nesses espaços do que nós temos hoje na democracia brasileira. 

CE: O senhor vê novas perspectivas para o negro no governo Dilma?
JV: A presidenta Dilma, da mesma maneira que os demais governantes, ainda não tratou com toda a ênfase, intensidade e mesmo com toda a atualidade esse tema. Nós tínhamos no governo Lula, em alguns momentos, quatro ministros negros: Gilberto Gil, Benedita da Silva, Matilde Ribeiro e Orlando Silva. Agora, no governo Dilma, não temos nenhum negro no primeiro escalão. No ministério, nos bancos públicos, nas universidades públicas, nos postos de prestígio não há negros. Imagine que quando o Obama esteve no Brasil, o país mais negro da América, não havia um negro no almoço de recepção. Continuamos nos comportando como se as coisas estivessem todas no lugar quando, na verdade, sempre estiveram e continuam fora do lugar. Antes se dizia que a discriminação não era racial, era social, e com o milagre brasileiro tudo se resolveria. Hoje chegamos à condição de sexta potência mundial, e o gap  é o mesmo de quando estávamos entre as septuagésimas economias do mundo.

CE: Nosso passivo histórico com o negro é comparado ao passivo atual que temos com o aluno de escola pública, sujeito a uma educação de má qualidade. Ao defender que as cotas deveriam ser apenas para alunos de escolas públicas, estamos comparando passivos da mesma ordem?
JV: Nosso passivo com o negro é anterior à Abolição e se manifesta depois da escravidão. O que acontecia antes da escravidão, que era a exclusão total, se repetiu, se ampliou e chegou a um estágio simplesmente insuperável de exclusão do negro na sociedade brasileira. O que acontece, sim, é uma exclusão social e não racial, mas todos os números comprovam o contrário. Quem defende a cota sem critério de cor usa isso como uma ideologia para defender interesses de grupos que, encastelados na oportunidade, não têm sequer a capacidade de fazer uma concessão. Quando as universidades públicas de São Paulo se negam a disponibilizar cotas, elas estão dizendo “cadê o meu queijo que estava aqui?”, “Ah, ele está aqui e ninguém tasca”. Isso é uma postura equivocada, que já estava equivocada no passado e que hoje não tem mais lugar. 

CE: Adotar cotas por si só é suficiente? As universidades estão preparadas para romper com o status quo? 
JV: É assim que eu respondo à pergunta que você fez primeiramente. Quais são os significados da decisão do Supremo? O primeiro é justamente esse. Arrancar um discurso ultrapassado, retirar e limpar os obstáculos postos, que impediam a abertura de uma trilha e, a partir dessa trilha, enxergar a luz no final do túnel. Isso o STF fez. Agora, caminhar daqui até a luz vai precisar ser novamente uma priorização da sociedade, uma estratégia global e do governo, e uma conquista dia a dia para fazer com que essa possibilidade vire realidade. Seguramente, as cotas não têm a capacidade milagrosa de se resolver todos os males do negro brasileiro nem a capacidade mística de fazer com que todos os problemas do País do passado desapareçam do presente e não se coloquem no futuro. O problema é que dentro dos palácios em que se discutem as direções da nação não existem negros. 

CE: O ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, no Supremo, é representativo?
JV: É só um símbolo. E um símbolo não vai conseguir produzir uma ação, por um motivo muito simples: ele é 1 de 11. No Supremo Tribunal de Justiça, temos 1 em 33, no estado de São Paulo, somos 1 para 400. A capacidade individual dessas pessoas, numa perspectiva de decisão em cima de uma agenda do negro, é quase nenhuma. 

CE: Vai chegar um momento de discutir cotas para professores negros nas universidades?
JV: Não dá para ser meio democrata ou meio republicano ou meio igualitário. Ou seremos gente grande ou vamos continuar nos escondendo atrás de uma falsa discussão e atrás de uma -realidade aparente de igualdade.  

CE: Podemos falar hoje de uma classe média ou uma classe empresarial negra?
JV: Lógico que não. Se não temos nos 400 desembargadores do maior tribunal de Justiça da América do Sul sequer um negro, que classe média é essa? Se dos 33 ministros, temos apenas uma mulher negra em uma secretaria de segundo escalão? Se de todas as universidades do País, o único reitor negro é este que vos fala? Não é questão de pensar em cotas para negros no corpo docente. O problema são essas instituições caírem no divã e pensarem que têm algo muito errado naquilo que elas praticam e pregam. O quadro delas de alunos, de professores e funcionários não é o Brasil e não reflete a mistura de raças que advogam como sendo o centro da brasilidade e da identidade tripartida entre negros, índios e brancos. Não advogo pelas cotas de professores, mas não tenho dúvidas de que precisamos das mais variadas medidas que impeçam essa exclusão do negro no ambiente acadêmico.

CE: O País precisa de outras faculdades como a que o senhor dirige?
JV: Eu preferiria que o País praticasse esses fundamentos e que amanhã eu fechasse a Zumbi dos Palmares enquanto uma simbologia dessa natureza. Mas  tenho muitas dúvidas se o Brasil terá capacidade para fazer uma mudança de rumo tão profunda. E digo isso pensando em temas tão importantes para os brasileiros como a educação, a saúde e a infraestrutura urbana.

CE: A Zumbi dos Palmares está sozinha nessa mudança de mentalidade?
JV: O fardo que acabou sobrando para a gente é muito pesado. Primeiro, porque temos a responsabilidade de dar certo de toda maneira e de sermos os portadores dessa nova fisionomia e produtores da mudança. Como você está vendo, sou só uma pessoa limitada, como todas as outras. De modo que absorver uma responsabilidade dessa natureza perante todo o estado e o País é uma coisa que nos amedronta e estarrece. Por outro lado, a gente procura responder de forma ativa ao tempo e ao compromisso que deveria ser de todo cidadão. Tenho uma realidade que me atormenta e constrange e preciso tentar modificá-la. É o nosso foco e compromisso. A gente tem uma força interior e exterior que nos encaminha e acalenta nessa direção. Não há bem mais valioso do que poder olhar nos olhos dessas pessoas e ser um ponto de comunicação importante deles com o resto do universo. Neste momento, não sentimos cansaço, pelo contrário, sentimo-nos como ungidos, agraciados. O criador nos colocou diante de uma missão para fazer as pessoas acreditarem que é possível enfrentar esse desafio. 

CE: A universidade conta com o apoio institucional de empresas? Como está sendo mantida?
JV: Ela continua sendo um sacerdócio. Esses jovens pagam em média 300 reais por um curso que no mercado custa 700. E para um curso que seja na Zumbi ou no Mackenzie, a estrutura é a mesma. Ou seja, você precisa de professores, infraestrutura. Algumas empresas colaboram, contribuem. Muito menos do que a gente precisa. Mas, agradecidamente, com aquilo que nos auxilia. De modo que não temos do que reclamar. O fato é que ficamos reféns de um grupo muito pequeno de colaboradores que o fazem, no mais das vezes, por ter uma interação pessoal e íntima com os trabalhos. O compromisso dessas empresas tem ajudado bastante. O Bradesco é um parceiro relevante, a Mercedes, a Ford, mas o fato é que fazer a revolução, ou fazer a transformação, custa. E, como diria Milton Freire, não existe almoço grátis. Nós não temos representação no BNDES, no Banco do Brasil. Aliás, nunca tivemos um tostão das instituições públicas. 


terça-feira, 5 de novembro de 2013

“Rede Globo, fantástico é o seu racismo!”


“A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil“, deveras sentenciou Joaquim Nabuco. Mas na versão global, ironicamente “inteligente”, ele diz: “O Brasil já é um país mestiço! E não vamos tolerar preconceito!”.

Nas últimas semanas escrevi dois textos sobre a relação entre meios de comunicação, publicidade e humor e a prática de racismo, o primeiro provocado por uma peça publicitária de divulgação do vestibular da PUC-PR e o segundo por conta de um programa de humor que ridicularizava as religiões de matriz africana. Hoje, graças a Rede Globo de televisão, retorno ao tema.
Neste domingo 3 de novembro o programa Fantástico, em seu quadro humorístico “O Baú do Baú do Fantástico”,  exibiu um episódio cujo tema é muito caro para a história da população negra no Brasil.
Passado mais da metade do programa, eis que de repente surge a simpática Renata Vasconcellos. Sorriso estonteante ainda embriagado pela repentina promoção: “Vamos voltar no tempo agora, mas voltar muito: 13 de maio de 1888, no dia em que a Princesa Isabel aboliu a escravidão. Adivinha quem tava lá? Ele, o repórter da história, Bruno Mazzeo!”


O quadro, assinado por Bruno Mazzeo, Elisa Palatnik e Rosana Ferrão, faz uma sátira do momento histórico da abolição da escravidão no Brasil. Na “brincadeira” o repórter entrevista Joaquim Nabuco, importante abolicionista, apresentado como líder do movimento “NMS – Negros, mulatos e simpatizantes”!
Princesa Isabel também entrevistada, diz que os ex-escravos serão amparados pelo governo com programas como o “Bolsa Família Afrodescendente”, o “Bolsa Escola – o Senzalão da Educação” e com Palhoças Populares do programa “Minha Palhoça, minha vida”!
“Mas por enquanto a hora é de comemorar! Por isso eles (os ex-escravos) fazem festa e prometem dançar e cantar a noite inteira…” registra o repórter, quando o microfone é tomado por um homem negro que, festejando, passa a gritar: “É carnaval! É carnaval!”

O contexto
Não acredito que qualquer conteúdo seja veiculado por um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo apenas por um acaso ou sem alguma intencionalidade para além da nobre missão de “informar” os milhões de telespectadores, ora com seus corpos e cérebros entregues aos prazeres educativos da TV brasileira em suas últimas horas de descanso antes da segunda feira – “dia de branco”.
E me perguntei: Por que – cargas d’água, a Rede Globo exibiria um conteúdo tão politicamente questionável? O que teria a ganhar com isso? Sequer estamos em maio! Que “gancho” ou motivação conjuntural haveria para justificar esse conteúdo?
Bom, estamos em novembro. Este é o mês reconhecido oficialmente como de celebração da Consciência Negra. É o mês em que a população  a f r o d e s c e n d e n t e  rememora, no dia 20, Zumbi dos Palmares, líder do mais famoso quilombo e personagem que figura no Livro de Aço como um dos Heróis Nacionais, no Panteão da Pátria. Relevante não?
Estamos também na véspera da III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que começa nesta terça, dia 5 e segue até dia 7 de Novembro, em Brasília, momento ímpar de reflexão e debates sobre os rumos das ações governamentais relacionadas a busca de uma igualdade entre brancos e negros que jamais existiu no Brasil. Isso somado à conjuntura de denúncia de violência e assassinatos que tem como principais vítimas os jovens negros, essa Conferência se torna ainda mais importante.
Voltando ao Fantástico, evidente que há quem leia as cenas apenas como um mero quadro humorístico e como exagero de “nossa” parte. Mas daí surge novas perguntas:
Um regime de escravidão que durou 388 anos; Que custou o sequestro e o assassinato de aproximadamente 7 milhões de seres humanos africanos e outros tantos milhões de seus descendentes; e que fora amplamente denunciado como um dos maiores crimes de lesa-humanidade já vistos, deve/pode ser motivo de piadas?
Quantas cenas de “humor inteligente” relacionado ao holocausto; Ou às vítimas de Hiroshima e Nagasaki; Ou às vítimas do Word Trade Center ou – para ficar no Brasil – às vítimas do incêndio na Boate Kiss, assistiremos em nossas noites de domingo?
Ah, mas ex-escravizados festejando em carnaval a “liberdade” concebida pela áurea princesa boazinha, isso pode! E ainda com status de humor crítico e inteligente.
Minha professora Conceição Oliveira diria: “Racismo meu filho. Racismo!”.

A democratização dos meios de comunicação como forma de combate ao racismo
Uma das tarefas fundamentais dos meios de comunicação dirigidos pelas oligarquias e elites brasileiras tem sido a propagação direta e indireta – muitas vezes subliminar, do racismo. É preciso perceber o que está por trás da permanente degradação da imagem da população negra nesses espaços. Há um pensamento racista que é, ao mesmo tempo, reformulado, naturalizado e divulgado para a coletividade.
A arte em forma de publicidade, teledramaturgia, cinema e programas humorísticos são poderosos instrumentos de formação da mentalidade. O que vemos no Brasil, infelizmente, é esse poder a serviço do fomento a valores racistas e preconceituosos que, por sua vez, gera muita violência. A democratização dos meios de comunicação é fundamental para combater essa realidade. No mais, deixo duas perguntas ao governo federal e ao congresso nacional, dos quais devemos cobrar:
O uso de concessão pública para fins de depreciação, desvalorização da população negra e da prática do racismo, machismo, sexismo, homofobia e todos os tipos de discriminação e violência não são suficientes para colocar em risco a concessão destes veículos?
Por que Venezuela, Bolívia e Argentina, vizinhos latino-americanos, avançam no sentido de diminuir a concentração de poder de certos grupos de comunicação e no Brasil os privilégios para este setor só aumentam?
Tantas perguntas…
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39 thoughts on ““Rede Globo, fantástico é o seu racismo!”
1.     http://1.gravatar.com/avatar/77e18adabb45c0603b16152b00b22245?s=40&d=http%3A%2F%2F1.gravatar.com%2Favatar%2Fad516503a11cd5ca435acc9bb6523536%3Fs%3D40&r=GJilson Carlos Souza

Ridículo, uma pauta desse tipo é para atender a classe média e a burguesia nojenta de nosso Brasil continental.
2.   http://1.gravatar.com/avatar/3a3a7cd36bd0476cf61f7a3427cc22e0?s=40&d=http%3A%2F%2F1.gravatar.com%2Favatar%2Fad516503a11cd5ca435acc9bb6523536%3Fs%3D40&r=GVINÍCIUS GAMA

Bem… Pelo o que eu entendi do vídeo, ele está tentando mostrar que mesmo com a Lei aprovada essa divisão escravo/senhor de engenho ainda existe, só que de forma enrustida. E no final ele coloca o carnaval como momento de festa em que eles esquecem que ainda estão sendo escravizados. O que me pareceu não é ele estar ridicularizando os negros, mas sim o governo que mantém o mesmo sistema de forma invisível e a população que aceita isso. Sinceramente acho que a intenção do Bruno Mazzeo foi entendida de forma errada.


Sociedade

Blogs do Além

Vai devagar que sinto cócegas

Achei que as notícias sobre a exumação do meu cadáver deixariam a nação de joelhos, à espera dos próximos acontecimentos. Se não, eu terei sido submetido a cócegas com luvas de látex por nada
por Vitor Knijnik — publicado 05/11/2013 05:59
Do Blog do Jango
Jango
Sobre mim: uma espécie de Vasco da Gama da política eleitoral brasileira. Tive uma história linda, de vitórias, de defesa da classe trabalhadora e de luta pela liberdade. Vice por duas vezes consecutivas, acabei rebaixado por um golpe civil-militar em 1964 e nunca mais voltei a ser o mesmo
Achei que as notícias sobre a exumação do meu cadáver deixariam a nação de joelhos, paralisada, à espera dos próximos acontecimentos. Não se trata de imodéstia. As circunstâncias da minha morte e tudo que ela envolve são mais interessantes do que a maioria das novelas e seriados do momento. Imaginei que pelo menos os fãs de House of Cards e Walking Deaddemonstrariam algum interesse. Se alguma revelação vier a público no mesmo dia em que, por exemplo, um Pato qualquer perca um pênalti, creio que a repercussão não passará de alguns retuítes. Eu terei sido submetido a cócegas com luvas de látex por nada.

O episódio fica ainda mais interessante com os personagens ao redor da trama principal. Chamaram um perito cubano em exumações. O mesmo sujeito que exumou Che Guevara. Passei minha carreira política inteira tentando convencer os brasileiros de que não era comunista. Aí vão me exumar e chamam um cubano? Que beleza, hein, camaradas? O PCB não teria feito melhor. Ah, e espero que ele não seja hostilizado no aeroporto nem peça asilo na minha cova. Aliás, cabe a pergunta: não há peritos no Brasil? Pelo jeito, o governo está precisando criar também o programa Mais Exumadores.

Apesar da concorrência desleal com os concursos de Miss Bumbum e a reta final do Brasileirão, penso que a exumação significa uma chance de voltar à mídia. Tinha uma carreira promissora nos anos 1960, mas fiz escolhas erradas. Em primeiro lugar, em 1961, quando Jânio renunciou, deveria ter fingido que não era comigo e ficado comendo uns yakissobas com o Mao na China. De repente, teria criado por lá uma estatal chinesa da construção civil, a ???? ou Reformas de Base S.A. Enterraríamos a concorrência e estaríamos em tudo quanto é loja de piso do mundo hoje em dia.

Mas o que mais me arrependo é do Comício da Central. Foi um erro de planejamento estratégico. Pra começo de conversa, falando em exumação de cadáver, o Serra, então presidente da UNE, discursando, só podia ser um mau agouro. Além disso, deveria ter colocado uns artistas se apresentando. Uns medalhões da MPB pros coroas, um Teatro Mágico da vida pra galera mais jovem e até uns padres cantores ou umas atrações da música gospel. Quem sabe não era uma maneira de impedir o toque alto do clarinete. Com sorte seria o suficiente pra evitar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.

domingo, 3 de novembro de 2013

O MELHOR DE MIM É AQUILO QUE EU NÃO SEI! HISTÓRIA VIVA E EM MOVIMENTO!

Edição 2000 de 3 a 9 de novembro de 2013
Setor Jaó
Prisioneiros alemães da Segunda Guerra Mundial construíram bairro nobre de Goiânia
Protocolo assinado entre governos goiano e inglês resultou na vinda de 50 oficiais das Forças Armadas alemãs aprisionados no Reino Unido para Goiás. Supostos nazistas teriam desenhado planta urbanística ao estilo alemão
Fernando Leite/Jornal Opção
Avenida do Setor Jaó: planta de bairro nobre de Goiânia foi desenhada por alemães
Frederico Vitor 
Não é segredo que de­pois da derrocada da Alemanha nazista do ditador Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), dezenas de partidários do nacional-socialismo — Partido Nazista —, a maioria criminosos de guerra e genocidas, se refugiaram na América Latina. Muito deles se esconderam na Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Brasil. Porém é pouco conhecida a história de uma leva de oficiais da Wehrmacht — forças armadas da Alemanha hitlerista — que desembarcou em Goiânia como prisioneiros de guerra. Mais desconhecido ainda — e surpreendente — é que eles teriam desenhado a planta e construíram as avenidas e ruas do que é hoje o Setor Jaó, bairro nobre da capital goiana.
Tal história, que é rodeada de enigmas e muito segredo, não é muito explorada pelos historiadores locais. Contudo é fato que 50 prisioneiros alemães vieram do Reino Unido para Goiás em 1947, durante a administração do governador Jerô­ni­mo Coimbra Bueno. O início desta fas­cinante saga germânica por terras goia­nas se deu em uma visita do che­fe do Executivo estadual ao em­bai­xador britânico, na sede da embaixada, no imponente palácio localizado na Rua São Clemente, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, que nos anos 40 ainda era capital federal.

Durante a conversa, regada por muito “scotch” — legítimo uísque escocês —, o embaixador pediu ao governador de Goiás um favor um tanto quanto inusitado: acolher no Estado 50 prisioneiros de guerra alemães. Coimbra Bueno, surpreendido e desconcertado com o pedido, elegantemente, teria acatado o desejo do representante inglês no Brasil. Assinado o protocolo junto à embaixada britânica, numa data desconhecida de 1947, um avião que provavelmente pertencia à Royal Air Force (RAF) — Força Aérea Real — aterrissou em Goiânia com os 50 militares alemães a bordo.

Ao desembarcarem da aeronave, um capitão do Exército britânico teria estendido o braço a uma autoridade estadual, passando-lhe um recibo que deveria ser assinado. O documento atestaria ao governo de Vossa Majestade a posse dos prisioneiros alemães por parte do Estado de Goiás. Ao pisarem em solo goiano, os alemães, todos oficiais e de elevado nível intelectual, não vieram apenas com a roupa do corpo. Eles trouxeram malas e demais pertences pessoais que, juntamente com eles, foram transportados para a penitenciária de Goiânia — à época localizada na Avenida Independência, atual área de treinamento da Delegacia de Operações Especiais, Grupo Tático 3 (GT3) da Polícia Civil e antiga Casa de Prisão Provisória (CPP) —, no Centro da capital.

Toda a operação de translado dos europeus até a prisão foi realizada de forma secreta, sem mídia e sem alardes. O vazamento da no­tícia de que o governo de Goiás teria recebido um grupo de prisioneiros “nazistas” poderia se transformar em um grande escândalo, provocaria um alvoroço sem precedentes. Por isso, para não chamar muita atenção e para primar pelo sigilo que o caso exigia, os alemães foram transferidos da penitenciária para a Fazenda Retiro da Interestadual Mercantil S/A, pertencente a José Maga­lhães Pinto, banqueiro e político mi­neiro da antiga UDN, que depois seria go­vernador de Minas Gerais (1961-1966), e principal acionista do então Banco Nacional, uma das maiores instituições bancárias do País.
Surge o Jaó

Coimbra Bueno, formado na Escola Politécnica de Engenharia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1933, especialista em urbanismo, teve a ideia de urbanizar a Fazenda Retiro, às margens do Rio Meia Ponte, que servia de acampamento aos alemães. Magalhães Pinto aprovou a ideia e o governo goiano teria total autonomia nas decisões do projeto. O único pedido do banqueiro foi a denominação das avenidas Pampulha e Belo Horizonte, para homenagear a capital mineira, no que viria ser o Setor Jaó.

O advogado e morador do bairro Arthur Rios é um pesquisador do assunto e detém uma cópia da planta original do setor que, provavelmente, teria sido desenhada pelos alemães e assinada pelo engenheiro Tristão Pereira da Fonseca, já que os europeus não tinham registro no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) para tal. Ele conta que os prisioneiros ficavam acampados em barracas às margens do que é hoje a represa Jaó, e eram vigiados pelo Estado. Mais tarde, todos eles empregados pelo loteador, ganhariam a liberdade. “Apresentem o mapa do loteamento a um urbanista brasileiro, vão notar ideias alienígenas para o Brasil em 1947 e 1950”, diz Arthur Rios.

Livres para decidirem como seria o novo bairro, os alemães adotaram o nome Setor Jaó, em alusão a um pássaro comum à região. Eles impuseram os padrões germânicos aos logradouros, com ruas e avenidas largas e encurvadas, com os espaços verdes extremamente valorizados. Com exceção das Avenidas Belo Hori­zon­te e Pam­pulha, os nomes das demais vias começavam o “J” de Jaó, uma característica alemã de não atribuir nomes aos endereços. Esse sistema de nomenclatura também era usado em outras áreas, como por exemplo, nos submarinos na Segunda Guerra Mun­dial. A temida força U-boat sempre denominava os submergíveis de “U” sucedido de frios três dígitos. O mesmo sistema seria adotado para batizar as ruas do recém-criado loteamento de Goiânia, como Rua J-33, por exemplo, e assim em diante. 
Soldados ou criminosos?

Mesmo hoje, o traçado do Setor Jaó impressiona. O conceituado arquiteto e urbanista Luiz Fernando Cruvinel Teixeira, responsável pelo projeto urbano da cidade de Pal­mas, capital do Estado do To­cantins, ao analisar a planta original do Jaó desenhada pelos alemães, afirma que o projeto valoriza o orgânico, ou seja, houve um alto aproveitamento da natureza do local.

“Isso mostra certa diferença do que se fazia antes aqui, embora o Setor Sul seja um dos projetos mais interessantes que eu vejo em Goiânia”, diz. “Essa característica de organicidade do desenho prova que tirou-se partido da natureza. Até hoje os alemães são muito mais ligados à natureza do que nós latinos. Florestas já foram replantadas na Alemanha e o próprio Partido Verde começou por lá.”  


Ao término dos trabalhos de loteamento do Setor Jaó, em 1952, os alemães receberam uma recompensa pela colaboração. A maioria foi convidada pelo presidente Juan Domingos Perón a mudar-se para Argen­tina. Outros, por conta própria, foram para São Paulo. Em Goiânia permaneceram apenas três: Werner Sonnenberg, Otto Hoffmann e Paul Boetcher. Pouco se sabe do paradeiro do restante. Possivelmente, os arquivos do Estado de Goiás devem ter a lista com os nomes dos 50. Há a possibilidade real de que alguns deles possam ser de fato nazistas ou criminosos de guerra, da mesma forma que possam ser apenas militares aprisionados pelo inimigo.

A dedução se baseia no fato de que vários genocidas partidários do nacional-socialismo se refugiaram na América do Sul após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Muitos deles foram presos pelo Mossad — serviço secreto israelense — em Buenos Aires e na Patagônia argentina. Uma parte destes fugitivos esteve no Paraguai durante regime do ditador Alfredo Stroessner, e até mesmo no Brasil. O caso mais emblemático foi o de Josef Mengele, morto por afogamento em 1979, em Bertioga, no litoral paulista. O médico alemão, conhecido como “anjo da morte”, foi acusado de ter cometido atrocidades vis contra prisioneiros judeus e ciganos no complexo de Aus­chwitz-Birkenau, campo de concentração operado pelos nazistas no sul da Polônia.

Mas, nem todos os alemães que lutaram na Segunda Guerra eram partidários do nazifascismo. O advogado Arthur Rios alerta para este detalhe no caso dos 50 prisioneiros germânicos que construíram o Jaó. Ele afirma que o engenheiro Tristão Pereira lhe confidenciou que, naquela época, era vítima de desconfiança de terceiros por não esconder sua admiração e simpatia pela técnica aprimorada dos alemães do Jaó. “A verdade é que a história é contada pelos vencedores e não pelos vencidos. Fica a dúvida se a maioria deste grupo era de nazista ou eram apenas soldados alemães, conhecidos por serem bons cumpridores de ordens.”

O professor de História da Universidade Federal de Goiás (UFG) Luis Sérgio Duarte da Silva ressalta que não há importância se os alemães do Jaó eram ou não nazistas. Para ele, o fundamental é que o fato reforça a história de uma nova cidade que acolhia a todos e que abria novas fronteiras, neste caso, o da imensidão do Brasil Central. “Goiânia foi uma cidade que abrigou comunistas nos anos 30 e 40, Pedro Ludovico os protegia. Agora mais essa notícia de que outro governador trouxe supostos nazistas. Uma característica importante é que o governo, naquela época, trazia qualquer um que pudesse ajudar na construção da cidade.”   
Construção de Goiânia e a influência europeia
Goiânia recebeu forte influência europeia em sua construção. A primeira vez em que se falou na mudança da capital de Goiás foi em 1830, pelo marechal de campo Miguel Lino de Morais, segundo presidente da Província de Goyaz. Depois, em 1863, em seu livro “Primeira Viagem ao Araguaia”, o então presidente da Província, José Vieira Couto Magalhães, retoma a ideia de mudar a capital, propondo que esta fosse para as margens do Rio Araguaia.

Em 22 de novembro de 1930, quando o médico Pedro Ludovico Teixeira assumiu como interventor do Estado, se estabeleceu em Goiás uma nova forma de pensar a política e o desenvolvimento da região Centro-Oeste, ainda uma região continental, inóspita e desabitada. Os novos ocupantes do poder entendiam que o desenvolvimento que almejavam não cabia na velha cidade de Vila Boa. No dia 4 de julho, em Bonfim — atual município de Silvânia —, Pedro Ludovico fez a primeira declaração sobre a mudança da capital.

No dia 23 de janeiro de 1933, o Decreto 2.851 autoriza o governo do Estado a contrair um empréstimo para custear as despesas com a construção da nova capital do Estado. O local que melhor atendia aos requisitos exigidos ficava no município de Campinas, próximo à Serrinha. Em 6 de julho de 1933, o engenheiro e urbanista Atílio Corrêa Lima, da empresa P. Antunes Ribeiro e Cia, do Rio de Janeiro, é contratado para de­sen­volver o projeto da futura capital.
Cidade Jardim

Atílio Correa Lima aceita o convite de Pedro Ludovico Teixeira para projetar a nova capital de Goiás. Nesse período a escola francesa de urbanismo era uma das mais prestigiadas no mundo. Em todos os continentes estava presente esse modelo de cidade. Atílio segue os estudos em Paris com os grandes urbanistas franceses dessa teoria, como Alfred Agache. O traçado de Goiânia se estruturou em três pilares: sistema viário, zoneamento e a configuração do terreno. Conforme o plano das cidades francesas, o traçado deveria conter a qualidade mais importante, a funcionalidade. As vias foram calculadas segundo a intensidade e direção do tráfego.

Armando de Godoy reformularia o projeto original de Goiânia. Ele, que foi um dos responsáveis pela vinda de Agache, urbanista francês, ao Rio de Janeiro para elaborar um plano de extensão para a cidade, dá continuidade ao projeto iniciado por Atílio. O plano original do primeiro urbanista se baseou no modelo francês. Godói, fascinado pelas cidades-jardim resolve adaptar o projeto de Goiânia ao sistema inglês de cidade.

O traçado do modelo britânico se caracteriza pela forma como o sistema viário é concebido agregando a topografia do terreno. Outro item característico é o zoneamento, comum ao estilo francês, com a divisão social do espaço. A dimensão das vias deveria obedecer a uma hierarquia segundo a intensidade e a direção do tráfego. Diferente ao modelo seguido pela escola francesa, o traçado da cidade não deveria se sobrepor à natureza, mas, sim, integrar-se a ela. Para Godoy, as vias retas do traçado francês são monótonas, feias e criam praças de forma triangular, e não deveria ser implantadas em Goiânia.

A rotatória (hoje há dezenas delas espalhadas pela cidade), bastante criticada por conta do excesso de carros e do tráfego intenso, é um elemento característico deste modelo. Para os autores da cidade-jardim, sua implantação deveria respeitar os acidentes geográficos e não seguir o modelo francês, que os modificavam, adaptando-os ao projeto, em benefício da funcionalidade. A cidade do modelo de Goiânia envolveria córregos, rios, lagos e florestas, e os edifícios quando inseridos nesse tipo de terreno deveriam ser vistos em vários ângulos, à medida que se percorre a via.

Técnicos estrangeiros

Em novembro de 1934, os irmãos Abelardo e Coimbra Bueno, originário de Rio Verde, aceitam a proposta de Pedro Ludovico para tocar o projeto de urbanização de Goiânia por meio da empresa Coimbra Bueno & Pena Chaves Ltda.. Na década de 40, a empresa trouxe técnicos do exterior para dar continuidade ao projeto, entre eles o engenheiro civil belga Gustav von Aderup, responsável pelos cálculos das estruturas de vários edifícios, como por exemplo, o Cine Teatro Goiânia.

A empresa dos irmãos Coimbra Bueno também trouxe para seu corpo técnico Salvador Trotta, arquiteto italiano que trabalhou como desenhista na seção de arquitetura. Jan Wladyslaw Kaufer Wisniewski, engenheiro cartógrafo polonês, demarcou o Setor Aeroporto. O engenheiro e sanitarista alemão Werner Sonnemberg, um dos integrantes da leva dos 50 prisioneiros que desenharam o Jaó, foi o responsável pelo projeto de água e esgoto da cidade. O arquiteto e agrimensor alemão Josef Neddermeyer dirigiu a seção técnica de arquitetura e topografia das obras. Stefan Szucs, pintor húngaro, trabalhou no acabamento do Palácio das Esmeraldas, sede do governo goiano.

Em relação ao Setor Jaó, antes de abandonar o projeto de Goiânia, Atílio teria sugerido a utilização da represa para uma base de hidroaviões, comum naquela época, já que o transporte por terra era muito deficiente. Mas, de fato, naquele leito, mais especificamente na cachoeira Jaó, foi construída a primeira usina que produziria eletricidade para a nova capital. A usina começou a ser construída no dia 4 de janeiro de 1935, mas a obra esteve paralisada por longo período por falta de verba até ser inaugurada em 1938.

No dia 3 de abril de 1945, o excesso de chuvas danificou seriamente a estrutura e os equipamentos da usina. Goiânia enfrentou grande período de falta de energia elétrica e a alternativa encontrada foram os geradores particulares. Para suprir a iluminação pública, se usou motor de um submarino alemão. Por breve período, a máquina foi o responsável pela geração de energia que iluminaria as noites da capital. Para que pudesse ser refrigerado, o propulsor foi instalado às margens do córrego Botafogo. Já a usina do Jaó só foi completamente reconstruída em 1947, justamente o ano da chegada dos 50 prisioneiros alemães. Hoje, a construção em que se encontrava o antigo maquinário está completamente abandonada.
De redentorista a “nazistas”: a saga dos alemães em Goiás
A história da colonização germânica em Goiás remonta ao final do século 19, quando da chegada de religiosos alemães ao Estado. Em 1894, Dom Eduardo Duarte da Silva, bispo de Goiás, viajou à Europa em busca de padres para atender a romaria do Divino Pai Eterno do Barro Preto — atual município de Trindade —, além da administração da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Campininhas de Goiás, hoje bairro goianiense de Campinas. Dom Eduardo foi à Alemanha e acertou os detalhes da viagem ao Brasil do grupo de padre redentoristas.

O grupo de missionários começou sua viagem ao nosso país em 24 de setembro de 1894, chegando ao destino em dezembro. Os padres alemães continuaram a ser enviados ao Brasil até o final da década de 1930, mas depois a Província de Munique encontrou dificuldades por conta da Segunda Guerra Mundial. A importância da vinda missionária destes religiosos é traduzida pela figura do padre Pelágio Sauter, morto em 1961. O redentorista teve papel fundamental na condução da igreja em Trindade, e hoje é conhecido pelos fiéis como o “Apóstolo de Goiás”.

A única colônia oficial germânica nas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil foi estabelecida na cidade de Goiás em 1924. A Colônia de Uvá foi um assentamento rural que decorreu na doação por parte do governo goiano a 120 famílias que vieram do sudeste da Alemanha. Porém, a emissão definitiva dos títulos de posse das terras somente foi oficializada na década de 50, período no qual o distrito entrou em decadência. Ao contrário das colônias das regiões Sul e Sudeste do País, os alemães não suportaram a difícil lida no campo, em um terreno arenoso e pouco fértil para a agricultura como o da região da antiga capital goiana.

O motivo de se instalar uma colônia alemã em meio ao Cerrado goiano se deu pela necessidade de diversificação da agricultura que se encontrava incipiente na região da cidade de Goiás. Além disso, existe outra tese que sustenta a intenção do governo em “arianizar” a população local. Pelo menos este seria o anseio do senador Antônio Ramos Caiado, o “Totó Caiado”, o político mais influente de Goiás até a revolução de 1930.  O fato é que a Colônia de Uvá pouco durou. Parte das famílias retornou para Ale­manha ou rumou para o Sul do Brasil, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

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Ás alemão trabalhou para o governo goiano e ajudou na construção de Brasília
O alemão Martin Drewes, que combateu na Segunda Guer­ra Mundial como piloto de caça noturno, teve Goiás como primeiro destino em terras brasileiras. No país desde 1949, esteve a serviço do governo estadual em 1951, e trabalhou na aerofotogrametria do Estado, inclusive fez fotos aéreas para a construção de Brasília. Sua carreira começou no Exército alemão, teve breve passagem pela divisão Panzer — regimento de tanques de guerra —, mas sua vo­cação o levou para a força aérea,  alcançando o posto de major.
Durante o conflito, o aviador abateu 52 aeronaves aliadas em 235 missões de combate.  Um de seus artilheiros de bordo, Walter Scheer, se tornou presidente da Alemanha

Ocidental em 1974. Ele chegou ser prisioneiro dos ingleses na Alemanha ocupada e mudou-se para o Brasil depois da guerra, onde trabalhou como piloto civil. Em sua casa, na cidade catarinense de Blumenau, guardava na parede um telegrama recebido do próprio Hitler, em abril de 1945, que lhe concedia uma das maiores condecorações militares alemãs. Em entrevista à televisão brasileira, Drewes negou-se a comentar sobre a política da época: o nazismo e o holocausto.

O piloto alemão morreu no dia 16 de outubro deste ano, aos 94 anos, por falência múltipla dos órgãos. Viúvo, ele teve uma filha na Alemanha e um filho no Brasil.