ATTENAS AULAS

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Reportagens
Edição 1958 de 13 a 19 de janeiro de 2013
Televisão
O BBB tem de morrer para nascer outro Brasil
Começa a 13ª edição do exemplo mais deteriorado de alienação disponível no País. Hora de repensar, mais do que o modelo de programação na TV, que espécie de prioridade deveria ser abraçada pela sociedade brasileira
Elder Dias


“O espetáculo consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também (...) de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida.” (Guy Debord, em “A Sociedade do Espetáculo”, 1967)

Eles nunca se viram antes na vida, mas a intimidade é instantânea. A alegria externada ao se tornar inquilino da “casa mais vigiada do Brasil” é o sinal evidente de que se tem em mãos um prêmio de loteria ao quadrado: comemora-se a superação da concorrência — afinal, são menos de duas dezenas de vagas para centenas de milhares de candidatos a cada ano — como também o atalho para se tornar milionário, pela conquista do prêmio principal, ou pelo menos alcançar a fama — esta, outra forma de se tornar rico, com cachês polpudos para participar de festas e eventos Brasil afora ou estrelar as páginas de revistas masculinas.

Para estar ali, cada um abre mão do que é: esquecem os diplomas, quando os têm, ou as carreiras, se é que as possuem. Mais do que títulos profissionais, confessam que estão ali para “jogar” em busca do prêmio maior. No confinamento de meses, em busca da vitória, vão se mover, tramar, fingir, excluir, inventar histórias, discutir, brigar e fingir brigar, se reconciliar e fingir reconciliações. Mais do que a pessoa, vale o personagem. Darão exemplos pessoais que atestariam vidas vazias, mas, lapidadas pela eficientíssima equipe de produção da Rede Globo, virarão exemplos de superação. Em uma interpretação muito particular do “carpe diem” eternizado a partir do poema do romano Horácio, “brothers” e “sisters” vão dar homéricos espetáculos de bebedeira a cada balada na casa. Um porre atrás do outro. Tudo isso com transmissão ao vivo 24 horas e público voyeur para o espetáculo de exibicionismo.

Mas a existência contestável (leia matéria abaixo) do “Big Brother” e de suas variações menos originais — “A Fazenda”, “O Aprendiz” e os extintos “Casa dos Artistas”, “No Limite” e “Hipertensão”, entre dezenas — são o menor dos problemas. O “Big Brother” existe em mais de 50 países, mas é no Brasil que ele vira febre, por conta do poder que o gênero da teledramaturgia e a atmosfera competitiva exercem sobre a população. E o que não é o BBB senão uma telenovela de três meses, em que, capítulo a capítulo, rodada a rodada, vão se fazendo vencedores e derrotados até a “finalíssima”? A mágica do BBB consiste em grudar o brasileiro em frente à TV com pitadas daquilo que há nessas duas grandes alienações, a novela e o futebol.

Drama mais preocupante do que tais programas estarem na grade de programação, portanto, é o imenso espaço que eles ocupam na sociedade brasileira, ao contrário do que ocorre em outros países. De fato, esse lixo televisivo superproduzido só existe e persiste porque dá altíssima audiência. E altíssima audiência dá lucros gigantescos: somente com as seis cotas de patrocínios fixos, cada uma no valor de R$ 23,9 milhões, a Globo vai faturar R$ 143,4 milhões no “BBB 13”. Quem banca os luxos e mimos da turminha da casa este ano? Garnier, Chocolates Brasil Cacau, Unilever, Fiat e Ambev (esta, com duas cotas, pelas marcas Guaraná Antarctica e Skol). Isso explica muita coisa.

Não é à toa que esta será “a casa mais vigiada do Brasil”. Uma charge corrente na internet faz uma alusão a esse slogan comparando-o ao que o cartunista considera, por outro lado, a casa menos vigiada do Brasil: o Congresso Nacional. A simbologia faz o humor engasgar na garganta: com os olhos voltados para a ilusão, esquece-se a realidade que mudaria o País: as reformas estruturais paradas na Câmara e no Senado, constatação que manda a Pátria para o paredão. Sem direito a “anjo” para imunizar.
Seria o “Big Brother” um programa fora da lei?
O jornalista Luís Nassif, ultimamente, quase sempre é lembrado apenas por seu engajamento político-ideológico à esquerda. Há um ano, porém, em seu blog, ele sintetizou em poucos parágrafos algo sobre o “Big Brother Brasil” e programas similares que deveria levar o Ministério Público e, por consequência, a Justiça brasileira a trabalharem. O raciocínio vale a pena ser reproduzido.

Escreve Nassif que “intimidade e privacidade são bens indisponíveis, isto é, não é dado a outras pessoas invadirem esse tipo de bem jurídico”. Dessa forma, “é um direito individual, inalienável e intransferível”, do qual “somente a própria pessoa — por ela própria (não por meio de outro) — pode abrir mão”. Como exemplo, o jornalista coloca o fato de a Justiça não punir atos como a autolesão, a tentativa de suicídio ou a prática da prostituição. De forma contrária, o Estado não tem a mesma condescendência com quem — mesmo com autorização expressa do sujeito objeto da ação — fira outra pessoa, execute uma eutanásia ou gerencie a venda do corpo alheio para fins sexuais. “Esses princípios derrubam a ideia de que basta a pessoa autorizar para que sua intimidade possa ser exposta por terceiros de forma degradante”, conclui.

Para Luís Nassif, a análise jurídica de um programa como o “Big Brother Brasil” deveria ser feita a partir de pressupostos como esses. E exemplifica: “Não poderia ser questionado juridicamente alguém que coloque em sua própria casa uma webcam e explore sua intimidade. No caso do BBB, no entanto, a exploração é feita por terceiros de forma degradante. É como (com o perdão da comparação) o papel da prostituta e do cafetão. E não é qualquer terceiro, mas o titular de uma concessão pública obrigado a seguir os preceitos éticos previstos na Constituição — que não contemplam o estímulo ao voyeurismo.”

No BBB e em outros programas de entretenimento e até noticiosos, há abusos e indignidades demais expostos por meio de concessões públicas de comunicação. O que propõe Nassif deveria ser algo no mínimo a ser colocado em discussão nos meandros dos tribunais. Mas a possibilidade de isso vir a ocorrer é a mesma de a TV Cultura bater a Globo em audiência.

Mitxchelll PROFESSOR DE HISTÓRIA E PEDAGOGO!