ATTENAS AULAS

domingo, 3 de novembro de 2013

O MELHOR DE MIM É AQUILO QUE EU NÃO SEI! HISTÓRIA VIVA E EM MOVIMENTO!

Edição 2000 de 3 a 9 de novembro de 2013
Setor Jaó
Prisioneiros alemães da Segunda Guerra Mundial construíram bairro nobre de Goiânia
Protocolo assinado entre governos goiano e inglês resultou na vinda de 50 oficiais das Forças Armadas alemãs aprisionados no Reino Unido para Goiás. Supostos nazistas teriam desenhado planta urbanística ao estilo alemão
Fernando Leite/Jornal Opção
Avenida do Setor Jaó: planta de bairro nobre de Goiânia foi desenhada por alemães
Frederico Vitor 
Não é segredo que de­pois da derrocada da Alemanha nazista do ditador Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), dezenas de partidários do nacional-socialismo — Partido Nazista —, a maioria criminosos de guerra e genocidas, se refugiaram na América Latina. Muito deles se esconderam na Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Brasil. Porém é pouco conhecida a história de uma leva de oficiais da Wehrmacht — forças armadas da Alemanha hitlerista — que desembarcou em Goiânia como prisioneiros de guerra. Mais desconhecido ainda — e surpreendente — é que eles teriam desenhado a planta e construíram as avenidas e ruas do que é hoje o Setor Jaó, bairro nobre da capital goiana.
Tal história, que é rodeada de enigmas e muito segredo, não é muito explorada pelos historiadores locais. Contudo é fato que 50 prisioneiros alemães vieram do Reino Unido para Goiás em 1947, durante a administração do governador Jerô­ni­mo Coimbra Bueno. O início desta fas­cinante saga germânica por terras goia­nas se deu em uma visita do che­fe do Executivo estadual ao em­bai­xador britânico, na sede da embaixada, no imponente palácio localizado na Rua São Clemente, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, que nos anos 40 ainda era capital federal.

Durante a conversa, regada por muito “scotch” — legítimo uísque escocês —, o embaixador pediu ao governador de Goiás um favor um tanto quanto inusitado: acolher no Estado 50 prisioneiros de guerra alemães. Coimbra Bueno, surpreendido e desconcertado com o pedido, elegantemente, teria acatado o desejo do representante inglês no Brasil. Assinado o protocolo junto à embaixada britânica, numa data desconhecida de 1947, um avião que provavelmente pertencia à Royal Air Force (RAF) — Força Aérea Real — aterrissou em Goiânia com os 50 militares alemães a bordo.

Ao desembarcarem da aeronave, um capitão do Exército britânico teria estendido o braço a uma autoridade estadual, passando-lhe um recibo que deveria ser assinado. O documento atestaria ao governo de Vossa Majestade a posse dos prisioneiros alemães por parte do Estado de Goiás. Ao pisarem em solo goiano, os alemães, todos oficiais e de elevado nível intelectual, não vieram apenas com a roupa do corpo. Eles trouxeram malas e demais pertences pessoais que, juntamente com eles, foram transportados para a penitenciária de Goiânia — à época localizada na Avenida Independência, atual área de treinamento da Delegacia de Operações Especiais, Grupo Tático 3 (GT3) da Polícia Civil e antiga Casa de Prisão Provisória (CPP) —, no Centro da capital.

Toda a operação de translado dos europeus até a prisão foi realizada de forma secreta, sem mídia e sem alardes. O vazamento da no­tícia de que o governo de Goiás teria recebido um grupo de prisioneiros “nazistas” poderia se transformar em um grande escândalo, provocaria um alvoroço sem precedentes. Por isso, para não chamar muita atenção e para primar pelo sigilo que o caso exigia, os alemães foram transferidos da penitenciária para a Fazenda Retiro da Interestadual Mercantil S/A, pertencente a José Maga­lhães Pinto, banqueiro e político mi­neiro da antiga UDN, que depois seria go­vernador de Minas Gerais (1961-1966), e principal acionista do então Banco Nacional, uma das maiores instituições bancárias do País.
Surge o Jaó

Coimbra Bueno, formado na Escola Politécnica de Engenharia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1933, especialista em urbanismo, teve a ideia de urbanizar a Fazenda Retiro, às margens do Rio Meia Ponte, que servia de acampamento aos alemães. Magalhães Pinto aprovou a ideia e o governo goiano teria total autonomia nas decisões do projeto. O único pedido do banqueiro foi a denominação das avenidas Pampulha e Belo Horizonte, para homenagear a capital mineira, no que viria ser o Setor Jaó.

O advogado e morador do bairro Arthur Rios é um pesquisador do assunto e detém uma cópia da planta original do setor que, provavelmente, teria sido desenhada pelos alemães e assinada pelo engenheiro Tristão Pereira da Fonseca, já que os europeus não tinham registro no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) para tal. Ele conta que os prisioneiros ficavam acampados em barracas às margens do que é hoje a represa Jaó, e eram vigiados pelo Estado. Mais tarde, todos eles empregados pelo loteador, ganhariam a liberdade. “Apresentem o mapa do loteamento a um urbanista brasileiro, vão notar ideias alienígenas para o Brasil em 1947 e 1950”, diz Arthur Rios.

Livres para decidirem como seria o novo bairro, os alemães adotaram o nome Setor Jaó, em alusão a um pássaro comum à região. Eles impuseram os padrões germânicos aos logradouros, com ruas e avenidas largas e encurvadas, com os espaços verdes extremamente valorizados. Com exceção das Avenidas Belo Hori­zon­te e Pam­pulha, os nomes das demais vias começavam o “J” de Jaó, uma característica alemã de não atribuir nomes aos endereços. Esse sistema de nomenclatura também era usado em outras áreas, como por exemplo, nos submarinos na Segunda Guerra Mun­dial. A temida força U-boat sempre denominava os submergíveis de “U” sucedido de frios três dígitos. O mesmo sistema seria adotado para batizar as ruas do recém-criado loteamento de Goiânia, como Rua J-33, por exemplo, e assim em diante. 
Soldados ou criminosos?

Mesmo hoje, o traçado do Setor Jaó impressiona. O conceituado arquiteto e urbanista Luiz Fernando Cruvinel Teixeira, responsável pelo projeto urbano da cidade de Pal­mas, capital do Estado do To­cantins, ao analisar a planta original do Jaó desenhada pelos alemães, afirma que o projeto valoriza o orgânico, ou seja, houve um alto aproveitamento da natureza do local.

“Isso mostra certa diferença do que se fazia antes aqui, embora o Setor Sul seja um dos projetos mais interessantes que eu vejo em Goiânia”, diz. “Essa característica de organicidade do desenho prova que tirou-se partido da natureza. Até hoje os alemães são muito mais ligados à natureza do que nós latinos. Florestas já foram replantadas na Alemanha e o próprio Partido Verde começou por lá.”  


Ao término dos trabalhos de loteamento do Setor Jaó, em 1952, os alemães receberam uma recompensa pela colaboração. A maioria foi convidada pelo presidente Juan Domingos Perón a mudar-se para Argen­tina. Outros, por conta própria, foram para São Paulo. Em Goiânia permaneceram apenas três: Werner Sonnenberg, Otto Hoffmann e Paul Boetcher. Pouco se sabe do paradeiro do restante. Possivelmente, os arquivos do Estado de Goiás devem ter a lista com os nomes dos 50. Há a possibilidade real de que alguns deles possam ser de fato nazistas ou criminosos de guerra, da mesma forma que possam ser apenas militares aprisionados pelo inimigo.

A dedução se baseia no fato de que vários genocidas partidários do nacional-socialismo se refugiaram na América do Sul após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Muitos deles foram presos pelo Mossad — serviço secreto israelense — em Buenos Aires e na Patagônia argentina. Uma parte destes fugitivos esteve no Paraguai durante regime do ditador Alfredo Stroessner, e até mesmo no Brasil. O caso mais emblemático foi o de Josef Mengele, morto por afogamento em 1979, em Bertioga, no litoral paulista. O médico alemão, conhecido como “anjo da morte”, foi acusado de ter cometido atrocidades vis contra prisioneiros judeus e ciganos no complexo de Aus­chwitz-Birkenau, campo de concentração operado pelos nazistas no sul da Polônia.

Mas, nem todos os alemães que lutaram na Segunda Guerra eram partidários do nazifascismo. O advogado Arthur Rios alerta para este detalhe no caso dos 50 prisioneiros germânicos que construíram o Jaó. Ele afirma que o engenheiro Tristão Pereira lhe confidenciou que, naquela época, era vítima de desconfiança de terceiros por não esconder sua admiração e simpatia pela técnica aprimorada dos alemães do Jaó. “A verdade é que a história é contada pelos vencedores e não pelos vencidos. Fica a dúvida se a maioria deste grupo era de nazista ou eram apenas soldados alemães, conhecidos por serem bons cumpridores de ordens.”

O professor de História da Universidade Federal de Goiás (UFG) Luis Sérgio Duarte da Silva ressalta que não há importância se os alemães do Jaó eram ou não nazistas. Para ele, o fundamental é que o fato reforça a história de uma nova cidade que acolhia a todos e que abria novas fronteiras, neste caso, o da imensidão do Brasil Central. “Goiânia foi uma cidade que abrigou comunistas nos anos 30 e 40, Pedro Ludovico os protegia. Agora mais essa notícia de que outro governador trouxe supostos nazistas. Uma característica importante é que o governo, naquela época, trazia qualquer um que pudesse ajudar na construção da cidade.”   
Construção de Goiânia e a influência europeia
Goiânia recebeu forte influência europeia em sua construção. A primeira vez em que se falou na mudança da capital de Goiás foi em 1830, pelo marechal de campo Miguel Lino de Morais, segundo presidente da Província de Goyaz. Depois, em 1863, em seu livro “Primeira Viagem ao Araguaia”, o então presidente da Província, José Vieira Couto Magalhães, retoma a ideia de mudar a capital, propondo que esta fosse para as margens do Rio Araguaia.

Em 22 de novembro de 1930, quando o médico Pedro Ludovico Teixeira assumiu como interventor do Estado, se estabeleceu em Goiás uma nova forma de pensar a política e o desenvolvimento da região Centro-Oeste, ainda uma região continental, inóspita e desabitada. Os novos ocupantes do poder entendiam que o desenvolvimento que almejavam não cabia na velha cidade de Vila Boa. No dia 4 de julho, em Bonfim — atual município de Silvânia —, Pedro Ludovico fez a primeira declaração sobre a mudança da capital.

No dia 23 de janeiro de 1933, o Decreto 2.851 autoriza o governo do Estado a contrair um empréstimo para custear as despesas com a construção da nova capital do Estado. O local que melhor atendia aos requisitos exigidos ficava no município de Campinas, próximo à Serrinha. Em 6 de julho de 1933, o engenheiro e urbanista Atílio Corrêa Lima, da empresa P. Antunes Ribeiro e Cia, do Rio de Janeiro, é contratado para de­sen­volver o projeto da futura capital.
Cidade Jardim

Atílio Correa Lima aceita o convite de Pedro Ludovico Teixeira para projetar a nova capital de Goiás. Nesse período a escola francesa de urbanismo era uma das mais prestigiadas no mundo. Em todos os continentes estava presente esse modelo de cidade. Atílio segue os estudos em Paris com os grandes urbanistas franceses dessa teoria, como Alfred Agache. O traçado de Goiânia se estruturou em três pilares: sistema viário, zoneamento e a configuração do terreno. Conforme o plano das cidades francesas, o traçado deveria conter a qualidade mais importante, a funcionalidade. As vias foram calculadas segundo a intensidade e direção do tráfego.

Armando de Godoy reformularia o projeto original de Goiânia. Ele, que foi um dos responsáveis pela vinda de Agache, urbanista francês, ao Rio de Janeiro para elaborar um plano de extensão para a cidade, dá continuidade ao projeto iniciado por Atílio. O plano original do primeiro urbanista se baseou no modelo francês. Godói, fascinado pelas cidades-jardim resolve adaptar o projeto de Goiânia ao sistema inglês de cidade.

O traçado do modelo britânico se caracteriza pela forma como o sistema viário é concebido agregando a topografia do terreno. Outro item característico é o zoneamento, comum ao estilo francês, com a divisão social do espaço. A dimensão das vias deveria obedecer a uma hierarquia segundo a intensidade e a direção do tráfego. Diferente ao modelo seguido pela escola francesa, o traçado da cidade não deveria se sobrepor à natureza, mas, sim, integrar-se a ela. Para Godoy, as vias retas do traçado francês são monótonas, feias e criam praças de forma triangular, e não deveria ser implantadas em Goiânia.

A rotatória (hoje há dezenas delas espalhadas pela cidade), bastante criticada por conta do excesso de carros e do tráfego intenso, é um elemento característico deste modelo. Para os autores da cidade-jardim, sua implantação deveria respeitar os acidentes geográficos e não seguir o modelo francês, que os modificavam, adaptando-os ao projeto, em benefício da funcionalidade. A cidade do modelo de Goiânia envolveria córregos, rios, lagos e florestas, e os edifícios quando inseridos nesse tipo de terreno deveriam ser vistos em vários ângulos, à medida que se percorre a via.

Técnicos estrangeiros

Em novembro de 1934, os irmãos Abelardo e Coimbra Bueno, originário de Rio Verde, aceitam a proposta de Pedro Ludovico para tocar o projeto de urbanização de Goiânia por meio da empresa Coimbra Bueno & Pena Chaves Ltda.. Na década de 40, a empresa trouxe técnicos do exterior para dar continuidade ao projeto, entre eles o engenheiro civil belga Gustav von Aderup, responsável pelos cálculos das estruturas de vários edifícios, como por exemplo, o Cine Teatro Goiânia.

A empresa dos irmãos Coimbra Bueno também trouxe para seu corpo técnico Salvador Trotta, arquiteto italiano que trabalhou como desenhista na seção de arquitetura. Jan Wladyslaw Kaufer Wisniewski, engenheiro cartógrafo polonês, demarcou o Setor Aeroporto. O engenheiro e sanitarista alemão Werner Sonnemberg, um dos integrantes da leva dos 50 prisioneiros que desenharam o Jaó, foi o responsável pelo projeto de água e esgoto da cidade. O arquiteto e agrimensor alemão Josef Neddermeyer dirigiu a seção técnica de arquitetura e topografia das obras. Stefan Szucs, pintor húngaro, trabalhou no acabamento do Palácio das Esmeraldas, sede do governo goiano.

Em relação ao Setor Jaó, antes de abandonar o projeto de Goiânia, Atílio teria sugerido a utilização da represa para uma base de hidroaviões, comum naquela época, já que o transporte por terra era muito deficiente. Mas, de fato, naquele leito, mais especificamente na cachoeira Jaó, foi construída a primeira usina que produziria eletricidade para a nova capital. A usina começou a ser construída no dia 4 de janeiro de 1935, mas a obra esteve paralisada por longo período por falta de verba até ser inaugurada em 1938.

No dia 3 de abril de 1945, o excesso de chuvas danificou seriamente a estrutura e os equipamentos da usina. Goiânia enfrentou grande período de falta de energia elétrica e a alternativa encontrada foram os geradores particulares. Para suprir a iluminação pública, se usou motor de um submarino alemão. Por breve período, a máquina foi o responsável pela geração de energia que iluminaria as noites da capital. Para que pudesse ser refrigerado, o propulsor foi instalado às margens do córrego Botafogo. Já a usina do Jaó só foi completamente reconstruída em 1947, justamente o ano da chegada dos 50 prisioneiros alemães. Hoje, a construção em que se encontrava o antigo maquinário está completamente abandonada.
De redentorista a “nazistas”: a saga dos alemães em Goiás
A história da colonização germânica em Goiás remonta ao final do século 19, quando da chegada de religiosos alemães ao Estado. Em 1894, Dom Eduardo Duarte da Silva, bispo de Goiás, viajou à Europa em busca de padres para atender a romaria do Divino Pai Eterno do Barro Preto — atual município de Trindade —, além da administração da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Campininhas de Goiás, hoje bairro goianiense de Campinas. Dom Eduardo foi à Alemanha e acertou os detalhes da viagem ao Brasil do grupo de padre redentoristas.

O grupo de missionários começou sua viagem ao nosso país em 24 de setembro de 1894, chegando ao destino em dezembro. Os padres alemães continuaram a ser enviados ao Brasil até o final da década de 1930, mas depois a Província de Munique encontrou dificuldades por conta da Segunda Guerra Mundial. A importância da vinda missionária destes religiosos é traduzida pela figura do padre Pelágio Sauter, morto em 1961. O redentorista teve papel fundamental na condução da igreja em Trindade, e hoje é conhecido pelos fiéis como o “Apóstolo de Goiás”.

A única colônia oficial germânica nas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil foi estabelecida na cidade de Goiás em 1924. A Colônia de Uvá foi um assentamento rural que decorreu na doação por parte do governo goiano a 120 famílias que vieram do sudeste da Alemanha. Porém, a emissão definitiva dos títulos de posse das terras somente foi oficializada na década de 50, período no qual o distrito entrou em decadência. Ao contrário das colônias das regiões Sul e Sudeste do País, os alemães não suportaram a difícil lida no campo, em um terreno arenoso e pouco fértil para a agricultura como o da região da antiga capital goiana.

O motivo de se instalar uma colônia alemã em meio ao Cerrado goiano se deu pela necessidade de diversificação da agricultura que se encontrava incipiente na região da cidade de Goiás. Além disso, existe outra tese que sustenta a intenção do governo em “arianizar” a população local. Pelo menos este seria o anseio do senador Antônio Ramos Caiado, o “Totó Caiado”, o político mais influente de Goiás até a revolução de 1930.  O fato é que a Colônia de Uvá pouco durou. Parte das famílias retornou para Ale­manha ou rumou para o Sul do Brasil, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

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Ás alemão trabalhou para o governo goiano e ajudou na construção de Brasília
O alemão Martin Drewes, que combateu na Segunda Guer­ra Mundial como piloto de caça noturno, teve Goiás como primeiro destino em terras brasileiras. No país desde 1949, esteve a serviço do governo estadual em 1951, e trabalhou na aerofotogrametria do Estado, inclusive fez fotos aéreas para a construção de Brasília. Sua carreira começou no Exército alemão, teve breve passagem pela divisão Panzer — regimento de tanques de guerra —, mas sua vo­cação o levou para a força aérea,  alcançando o posto de major.
Durante o conflito, o aviador abateu 52 aeronaves aliadas em 235 missões de combate.  Um de seus artilheiros de bordo, Walter Scheer, se tornou presidente da Alemanha

Ocidental em 1974. Ele chegou ser prisioneiro dos ingleses na Alemanha ocupada e mudou-se para o Brasil depois da guerra, onde trabalhou como piloto civil. Em sua casa, na cidade catarinense de Blumenau, guardava na parede um telegrama recebido do próprio Hitler, em abril de 1945, que lhe concedia uma das maiores condecorações militares alemãs. Em entrevista à televisão brasileira, Drewes negou-se a comentar sobre a política da época: o nazismo e o holocausto.

O piloto alemão morreu no dia 16 de outubro deste ano, aos 94 anos, por falência múltipla dos órgãos. Viúvo, ele teve uma filha na Alemanha e um filho no Brasil.

ATTENAS CRÍTICA

Religião do consumo
Frei Betto
O "Financial Times", de Londres, noticiou que a Young & Rubicam, uma das maiores agências de publicidade do mundo, divulgou a lista das dez grifes mais reconhecidas por 45.444 jovens e adultos de 19 países. São elas: Coca-Cola (35 milhões de unidades vendidas a cada hora), Disney, Nike, BMW, Porsche, Mercedes-Benz, Adidas, Rolls-Royce, Calvin Klein e Rolex.

"As marcas são a nova religião. As pessoas se voltam para elas em busca de sentido", declarou um diretor da Young & Rubicam. Disse ainda que essas grifes "possuem paixão e dinamismo necessários para transformar o mundo e converter as pessoas em sua maneira de pensar".

A Fitch, consultoria londrina de design, no ano passado realçou o caráter "divino" dessas marcas famosas, assinalando que, aos domingos, as pessoas preferem o shopping à missa ou ao culto. Em favor de sua tese, a empresa evocou dois exemplos: desde 1991, cerca de 12 mil pessoas celebraram núpcias nos parques da DisneyWorld, e estão virando moda os féretros da marca Halley, nos quais são enterrados os motoqueiros fissurados em produtos Halley-Davidson.

A tese não carece de lógica, Marx já havia denunciado o fetiche da mercadoria. Ainda engatinhando, a Revolução Industrial descobriu que as pessoas não querem apenas o necessário. Se dispõem de poder aquisitivo, adoram ostentar o supérfluo. A publicidade veio ajudar o supérfluo a se impor como necessário.

A mercadoria, intermediária na relação entre seres humanos (pessoa-mercadoria-pessoa), passou a ocupar os pólos (mercadoria-pessoa-mercadoria). Se chego à casa de um amigo de ônibus, meu valor é inferior ao de quem chega de BMW. Isso vale para a camisa que visto ou para o relógio que trago no pulso. Não sou eu, pessoa humana, que faço uso do objeto. É o produto, revestido de fetiche, que me imprime valor, aumentando a minha cotação no mercado das relações sociais. O que faria um Descartes neoliberal declarar: "Consumo, logo existo". Fora do mercado não há salvação, alertam os novos sacerdotes da idolatria consumista.

Essa apropriação religiosa do mercado é evidente nos shopping centers, tão bem criticados por José Saramago em "A Caverna". Quase todos possuem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas. São os templos do deus mercado. Neles não se entra com qualquer traje, e sim com roupa de missa de domingo. Percorrem-se os seus claustros marmorizados ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Ali dentro tudo evoca o paraíso: não há mendigos nem pivetes, pobreza ou miséria. Com olhar devoto, o consumidor contempla as capelas que ostentam, em ricos nichos, os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode pagar à vista se sente no céu; quem recorre ao crediário, no purgatório; quem não dispõe de recurso, no inferno. Na saída, entretanto, todos se irmanam na mesa "eucarística" do McDonald's.

A Young & Rubicam comparou as agências de publicidade aos missionários que difundiram pelo mundo religiões como o cristianismo e o islamismo. "As religiões eram baseadas em idéias poderosas que conferiam significado e objetivo à vida", declarou o diretor da agência inglesa.

A fé imprime sentido subjetivo à vida, objetivando-as na prática do amor, enquanto um produto cria apenas a ilusória sensação de que, graças a ele, temos mais valor aos olhos alheios. O consumismo é a doença da baixa auto-estima. Um São Francisco de Assis ou Gandhi não necessitava de nenhum artifício para centrar-se em si e descentrar-se nos outros e em Deus.

O pecado original dessa nova "religião" é que, ao contrário das tradicionais, ela não é altruísta, é egoísta; não favorece a solidariedade, e sim a competitividade; não faz da vida dom, mas posse. E o que é pior: acena com o paraíso na Terra e manda o consumidor para a eternidade completamente desprovido deste lado da vida.

A crítica do fetiche da mercadoria data de oito séculos antes de Cristo, conforme este texto do profeta Isaías: "O carpinteiro mede a madeira, desenha a lápis uma figura, trabalha-a com o formão e aplica-lhe o compasso. Faz a escultura com medidas do corpo humano e com rosto de homem, para que essa imagem possa estar num templo de cedro. (...) O próprio escultor usa parte dessa madeira para esquentar e assar seu pão; e também fabrica um deus e diante dele se ajoelha (...) e faz uma oração, dizendo: 'Salva-me, porque tu és o meu deus!'" (44,13-17).

Da religião do consumo não escapa nem o consumo da religião, apresentada como um remédio miraculoso, capaz de aliviar dores e angústias, garantir prosperidade e alegria. Enquanto isso, "Ele tem fome e não lhe dão de comer" (Mateus 25, 31-40).

Artigo publicado no Jornal de Ciência e Fé em abril de 2001, ano 2, nº 29

MITXCHELLL HISTORIADOR, FILOSOFO E PEDAGOGO E DIRETOR DE ATTENAS AULAS- ACOMPANHAMENTO ESCOLAR.