ATTENAS AULAS

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Nem amor nem revolução

Sítio o vermelho

Eu havia prometido não escrever nada sobre a telenovela “Amor e Revolução” enquanto o poeta e ex-preso político Alípio Freire não me antecedesse. Isso porque ele foi um dos primeiros a perceber em que o folhetim do SBT ia dar. Mas não pude mais me conter, depois de ler isto na Folha de São Paulo:


“Silvio Santos reclama de ibope baixo e novela troca drama por humor
O dono do SBT, Silvio Santos, reclamou do baixo desempenho da novela ‘Amor e Revolução’ em reunião nesta terça-feira, no Complexo Anhanguera. Silvio fez a queixa diretamente ao autor da novela, Tiago Santiago, que se prontificou a efetuar várias mudanças.
A despeito da repercussão e polêmica que a novela desencadeou na internet, ‘Amor e Revolução’não passa de cinco pontos de média na Grande São Paulo. Cada ponto equivale a 58 mil domicílios assistindo à história, que se passa na ditadura militar.
Dentro de duas semanas a novela sofrerá uma guinada de 180 graus. Diálogos sobre política, personagens discursando para criar contextualização histórica, assuntos referentes a militares serão praticamente abolidos da história. Em seu lugar haverá mais cenas de humor, amor e outros relacionamentos.
Procurado pela reportagem nesta tarde, Santiago não quis comentar sobre a ‘bronca’ de Silvio Santos, mas confirmou que a novela terá algumas mudanças de rumo. ‘Nós de fato vimos várias pesquisas, e as pessoas à noite querem rir, se emocionar. Vamos acabar com o tema político mesmo’, admitiu Santiago, que acrescentou: ‘Nunca mais vou fazer novela sobre política’ ".
Comento rápido: talvez Sílvio Santos não tenha percebido, mas há muito “Amor e Revolução” faz humor involuntário. De militares que andam de farda na intimidade de suas casas, passando por presos torturados que metem bronca nos torturadores, sempre com uma língua fluente que nem toma conhecimento dos choques elétricos que levou, a novela tem mostrado na televisão uma ignorância de tempo, lugar e vidas de tal maneira, que até parece galhofa.  

Escrever em folhetim de televisão sobre a história tem sido  um fiasco, desde a minissérie JK na TV Globo. Se em JK os laços que prendiam Juscelino Kubitschek à realidade eram laços de fita, de chapéus, cenários e músicas de época, em “Amor e Revolução” a realidade são guerrilheiros e militares caricatos, que falam frases de cartilha, didáticas. Como as de um personagem que explicou num capítulo, por exemplo: “Dops. Dops é o nome com que é conhecido o Departamento de Ordem Política e Social. D-O-P-S: Dópis”...
Salvava a novela até então, como uma cereja em um bolo amargo, os depoimentos. Depois das palhaçadas grosseiras do Ratinho antes, depois de penar a ver cenas, diálogos que os circos da periferia fazem com melhor arte, vinham os depoimentos reais, verdadeiros, de militantes que sobreviveram à tortura. Até então, podia-se dizer: pulem a novela, vejam o depoimento. De fato, houve alguns deles que se aproximaram do sublime. Assim era. Mas a ressalva não durou muito.
Todo o prometido pela produção da telenovela, de que “para dar credibilidade à história e acontecimentos narrados na novela, seria exibido no fim de cada capítulo um depoimento de um guerrilheiro, artista, familia de desaparecidos que participou desse momento tão importante para a democracia no Brasil”, veio por água abaixo com os depoimentos de torturadores, de militares criminosos ainda sem julgamento no Brasil, mais adiante.
Dizer o que mais agora?
“O autor decidiu ainda que as personagens de Luciana Vendramini e Gisele Tigre (Marcela e Mariana) terminarão juntas -- talvez com direito a casamento -- e que haverá mais cenas ‘lésbico-eróticas’ entre elas”, completa a notícia.
Aquela ilusão de que “Amor e Revolução” retomasse a história que não foi conhecida, porque ao povo seria dada a oportunidade de saber o drama e valor de uma geração violentada, cai por terra.  Quem tiver dúvida, anote a última: nos bastidores do SBT, a novela ganhou o apelido de "Sessão Privê", ou de sexo na tevê. Quem leu os próximos capítulos fala que virão cenas fortes e apelativas. Ou seja, nem amor nem revolução, ao fim.
Em Pneumotórax, Manuel Bandeira escreveu que, para um tuberculoso no começo do século vinte, o melhor a fazer era tocar um tango argentino. Para nós, que acreditamos no poder da arte, em 2011 podemos concluir: o melhor a fazer é voltar à liberdade da literatura. Ela saberá dizer o que as telenovelas não podem, por limitação de gênero, veículo, ibope e grana.

HISTÓRIADOR FILOSOFO MITxCHELLL

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Filme Estamos Juntos embaralha o fantástico e a realidade social

Sete anos depois de Cabra Cega, Toni Venturi apresenta Estamos Juntos, um novo longa-metragem de ficção. Sete anos é um ciclo de vida, um período em que muita coisa pode acontecer – como, no caso dele, diversos documentários e campanhas publicitárias. Ocorre que esses dois filmes parecem ter sido feitos por pessoas diferentes.

Por Luciano Ramos*, para o Pipoca Moderna



Em lugar da objetividade histórica do primeiro, no qual Venturi focalizava o relacionamento de um guerrilheiro com os companheiros que o escondiam, temos aqui uma narrativa quase fantástica que nos permite visualizar certas coisas imaginadas pela protagonista interpretada por Leandra Leal. Há um misterioso personagem que dialoga com ela (Lee Taylor), apenas quando se encontra a sós, e que talvez sirva para sublinhar a sua solidão. Ou, quem sabe, para que a personagem não seja constrangida a falar sozinha.

O peso da realidade contemporânea, no entanto, está bem presente no roteiro. Há uma médica residente que também trabalha como voluntária para um movimento de sem-teto, até se descobrir mortalmente enferma.

A protagonista do filme, vencedor de sete prêmios no festival Cine-PE, é uma moça do interior, pobre e solitária em cujo horizonte nada parece dar certo. Seu único amigo é um DJ (Cauã Raymond) cujas preferências e ritmo de vida pouco têm a ver com os dela. Relaciona-se afetivamente com homens errados e se agarra ao trabalho voluntário como um náufrago a uma tábua esburacada.

Como personagem, nem chega a apresentar algum traço de caráter que nos leve à identificação com ela, o que constitui um desafio para habilidade da atriz Leandra Leal.

Ainda que seguro,visualmente imaginativo e competente como diretor, Toni Venturi não resistiu à tentação de abrir na narrativa uma vertente social que prejudicou sua fluência. Aproveitando imagens reais que ele mesmo produzira para o documentário Dia de Festa (2006), com cenas documentais da ocupação de um prédio desabitado no centro de São Paulo, ele toca em assuntos que, mesmo interessantes em si, desviam o foco da trama central. Mas, pode ser até que esse fato não seja tomado como defeito, e sim como qualidade.



HISTORIADOR FILOSOFO EGIPTOLOGO MITxCHELLL