ATTENAS AULAS

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

FISSURAS NATALINAS

FISSURAS NATALINAS

FREI BETTO

A vida é breve; brevíssima. Eis que o Natal, de novo, chega. Se outrora a vida nos parecia mais longa, não se deve a que as pessoas morriam mais cheias de anos. Pelo contrário. Hoje, nossa idade média dilata-se graças aos avanços da medicina, do saneamento público, dos excessivos cuidados com o corpo, propalados e propagados. Tudo faz mal à saúde, do cigarro ao ar que se respira, do sedentarismo aos alimentos envenenados pelos pesticidas. Até que se descubra como viver sem comer e respirar, vamos sobrevivendo entre percalços e esperanças.
Antes, os dias tinham ritmo cadenciado. Cada coisa no seu lugar — a casa, a cidade, o país, o mundo. E no seu tempo: infância, estudo, juventude, casamento, trabalho, aposentadoria. Hoje, tudo se embaralha. O mundo invade nosso lar pela tela de TV, as crianças presenciam atos sexuais antes de saberem o que é sexo, a publicidade exacerba o apetite insaciável do desejo. São tantos os apelos, as seduções e as preocupações que o tempo se nos faz breve.
Outrora, se um parente adoecesse em outra região do país, a notícia chegava em doses homeopáticas, via correios. Agora o celular nos alcança no banheiro e na rua, no bar e na igreja. Não há tempo nem espaço. Estamos condenados à simultaneidade. Em um único momento somos exortados ao prazer e à dor, à alegria e à tristeza, ao afeto e à indiferença.
Quando menos esperamos, as festas natalinas se acercam. O que suscita, no fundo da alma, um certo pânico. Não pelo significado do Natal, perdido nos porões da memória e escondido nos desvãos do sentimento religioso. Falo daquela sensação que o gado experimenta remetido ao matadouro. Rumam todos num empurra-empurra, como se disputassem o privilégio de morrer primeiro. Já não são bois e vacas, mas rebanho condenado ao atavismo de trilhar o caminho do próprio suplício.
Assim vamos nós, manada humana, rumo ao consumismo, cientes de que nos arrancarão o dinheiro e a alma. Bombardeados pela publicidade, ornada com sinos, velas, neves de algodão e belas mamães noeis, somos impelidos a comprar o que não necessitamos e a gastar o que não podemos.
Como é tempo de férias, há que programar a viagem, a praia, o sítio, arrumar e desfazer malas, enfrentar a maratona dos supermercados (leve um livro para ler na fila do caixa) e suportar os engarrafamentos na cidade e na estrada. E os shoppings? Ah, os shoppings! São os templos da concupiscência — palavra grega que bem expressa esse sentimento ambíguo de atração e repulsão. Entra-se fissurado e sai-se aliviado.
Por que o imperativo de dar presentes no Natal? A central única dos consumidores deveria decretar uma greve geral ao consumo. Em plena época de Natal. Não se compraria mais do que em outros meses do ano. E, em vez de presentes, daríamos carinho, atenção, alegria, apoio, solidariedade. Os pais levariam os filhos aos hospitais para doarem, no valor dos presentes, algo indispensável aos doentes mais pobres. A família ofertaria uma cesta básica a outra carente. Seriam presenteados os sofredores de rua, os presos, os loucos, os que se tratam de dependências químicas, os portadores do vírus da Aids e os que vivem sem terra, sem teto e sem pão. Trocar-se-ia Papai Noel pelo Menino Jesus, o shopping pela igreja, a mercadoria pela compaixão. Aquecidos pela fé, celebraríamos assim uma verdadeira festa, aquela que, no dia seguinte, não deixa ressacas de farturas, faturas e fissuras, mas enche o coração de júbilo.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

EU GOSTO DE MULHER!

Mídia

A representação da mulher na mídia e em produtos

Em comerciais de televisão, produtos e marcas, a mulher é tratada como brinde, imbecil ou hipersexualizada
por Nádia Lapa — publicado 18/12/2013 17:33, última modificação 18/12/2013 18:18
 
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Na publicidade da NET, a mulher fica extasiada ao transformar um sapo em cartão de crédito
Todo mundo já sabe: em comerciais de cerveja, estará sempre muito calor e as mulheres vestirão um biquini fio dental nos corpos belíssimos. Corpos esses sem língua, diga-se, porque elas nunca falam nada. Quer vender detergente, sabão em pó ou qualquer outro produto de limpeza? Direcione as propagandas paras mulheres, porque elas ainda não saíram da cozinha.
Vemos isso o tempo todo, tomamos como verdade absoluta, e nem ligamos muito para a representação da mulher nos comerciais. Fúteis, vazias, competitivas com outras mulheres, rainhas do lar, vaidosas em nível tóxico. "É só propaganda", diriam alguns. Alguns muitos. Outros vários diriam que quem vê problema nessa má representação da mulher está é "falta do que fazer". "Vai lavar uma louça", os engraçados de Twitter responderiam. Na verdade, o sistema é esse, feroz, que se retroalimenta dos pensamentos da sociedade. As propagandas são ruins porque o público alvo é ruim, ou é o contrário? Difícil dizer.
Nos Estados Unidos há uma iniciativa chamada The Representation Project, que cuida justamente de analisar como a mídia mostra as mulheres (veja vídeo ao final do post). Aqui no Brasil não temos nada parecido, mas grupos feministas online costumam questionar as empresas quanto aos seus anúncios sexistas e muitas, muitas vezes misóginos.
Foi o que aconteceu durante a Copa das Confederações. A Ariel, marca de sabão para lavar roupas, lançou uma propaganda no Facebook com quadrinhos mostrando como a mulher também gosta de futebol. Seria ótimo quebrar o estereótipo de que só homem gosta do esporte, enquanto as mulheres são histéricas que só gritam nas partidas da seleção brasileira e não sabem nem o que é um escanteio, mas a marca, pertencente à Procter & Gamble, reiterou na série de quadrinhos como a mulher vê futebol por causa das pernas dos jogadores e que "torce". Torce roupa. Porque mulher esquenta barriga no fogão e esfria no tanque.
Falei com a assessoria de imprensa sobre os quadrinhos, e recebi a seguinte resposta: "a P&G informa que em  maio desse ano postou na fanpage de Ariel um pedido de desculpas pela tirinha criada para a Copa das Confederações. Vale ressaltar que a empresa valoriza a diversidade, assim como o papel de importância da mulher em nossa sociedade. A empresa informa ainda  que levará em conta todos os comentários e considerações que foram postados na época em sua fanpage para as próximas campanhas da marca.".
Eles, pelo menos, assumiram que foi uma bola fora (e sim, nós sabemos quando é lateral ou escanteio nesses casos). A cerveja Crystal, do Grupo Petrópolis, infelizmente não fez o mesmo. Tentou mais ou menos fugir da velha fórmula mulheres de biquini na praia (tem algumas à beira da piscina, ora pois!), e colocou uma mulher... como brinde!

Não, Crystal, apenas não. Mulher nunca é um brinde. Ou não deveria ser. A resposta da marca foi: "O Grupo Petrópolis sempre respeitou as mulheres e, em nenhum momento, teve a intenção de tratá-la como objeto.  A propaganda trabalha com humor e respeito.". Interessante observar o uso da palavra brinde, que não só é um objeto, como é um objeto que a pessoa ganha, sem maior esforço. A saída escolhida pela Petrópolis foi dizer que isso, comparar uma mulher a algo que se ganha, é piadinha. Humor é seeeeempre a desculpa para qualquer erro.
Quer ver como é sempre tudo muito, muito engraçado? A resposta da NET ao meu questionamento sobre o comercial abaixo parece até ter sido escrita pela assessoria da Crystal: "As campanhas da NET se caracterizam pela irreverência e bom humor. A empresa busca trazer novidades e frescor em sua forma de se comunicar e para isso se utiliza de temas ou situações que auxiliem neste fim.  Especificamente no filme citado, seguimos com a mesma intenção e em momento algum houve o intuito de denegrir a imagem da mulher ou imprimir qualquer outra conotação, apenas utilizou-se de um contexto usado no dia a dia das pessoas e em tom de brincadeira.".


Que coisa engraçada tratar a mulher como 1) desesperada por um príncipe; 2) interesseira a ponto de trocar um príncipe por um cartão de crédito. Hum... não.
Outra tática utilizada pelas empresas é dizer que algo - produto ou comercial - simplesmente caiu no colo delas. É preciso apontar que antes de ir ao ar ou aparecer nas araras das lojas, o produto ou propaganda passa por uma série de pessoas. Tudo está sujeito à criação, aprovação, produção. Há muito tempo e incontáveis oportunidades para alguém nesse ciclo simplesmente dizer "ei, isso aqui está errado, não vamos colocar no ar/colocar à venda".
No entanto, se alguém tem tal iniciativa nesse processo, certamente sua voz não está sendo ouvida. Enquanto isso, as empresas lavam as mãos a respeito da responsabilidade acerca da equidade de gêneros. A Luigi Bertolli está vendendo, neste momento, uma camiseta que diz:
Look like a girl
Act like a lady
Think like a man
Work like a boss

Pareça uma garota, se comporte como uma dama, pense como um homem, trabalhe como chefePense como um homem? O que há de tão diferente no pensamento de um homem para que eu, mulher, deseje ser como ele? Não está bom ser do jeito que eu sou e pensar do meu jeito? Ou homens são mais inteligentes?
"A camiseta mencionada não tem qualquer objetivo machista, feminista ou político. Trata-se apenas de mais uma estampa de moda que combina frases irreverentes com as cores da estação. Sendo assim, a Luigi Bertolli não teve intensão ou pretensão de sugerir nenhum tipo de comportamento."
Ah, está tudo bem agora, então, ufa! Que bom que uma marca denunciada por trabalho escravo e que não faz roupa para gorda não está me dizendo como viver. Sinto um grande alívio agora.
É evidente que isso não é verdade. Uma marca vende não só um produto, tangível, mas também um estilo de vida. O consumidor, então, compra algo de acordo com o que lhe é vendido. Não é só a camiseta ou o sabão em pó. Quando se trata de autoestima, então, ataca-se um ponto fraco das mulheres. Até supermodelos dizem que às vezes não se sentem tudo isso, imagine uma mulher comum, que trabalha, vai à faculdade, cuida dos filhos, lava louça, entra em fila de banco.
As mensagens que ela recebe são de que ela precisa ser bonita, atraente, sexy, ter a aparência de uma garota e comportamento de uma dama. Ela precisa. É isso que é cobrado o tempo todo dela. E, se não der pra ser tudo isso por si mesma, só resta competir com as outras mulheres, tratando-as como café-com-leite.

(A assessoria da Eudora ainda não se pronunciou a respeito do comercial.)
As mulheres precisam se unir e se empoderar, juntas, sem essa coisa de competir entre si. É triste ver uma empresa voltada às mulheres com esse tipo de discurso. No fim, se você não tiver uma aparência de capuccino e for um mero café-com-leite, você não será a escolhida pelo gatinho da balada. Não foi por causa dele que você saiu de casa?

Viu? Amigos de verdade não deixam os amigos saírem com meninas feias, diz a camiseta da Hering. Melhor ser um capuccino, garota, se não você está perdida. Segundo a assessoria da empresa, "em relação ao caso das estampas questionadas por consumidores, a Cia. Hering esclarece que já tomou as providências necessárias para evitar estes temas em seus produtos futuramente. A empresa reforça ainda que a estampa não condiz com os princípios e os valores defendidos pela marca".
Antes de eu questioná-los acerca da estampa, consumidores já o tinham feito por meio das redes sociais. Eles disseram que tirariam as camisetas das araras, mas dias depois as lojas continuavam vendendo. Sabem o motivo? Porque não importa. O sistema todo é assim. Este post poderia ser infinito, porque todos os dias nos deparamos com a péssima representação das mulheres na mídia.
O problema é que acreditamos nisso tudo. Mais do que comprar o sabão, a camiseta ou a maquiagem, nós compramos a ideia. E vivemos com ela, repetindo-a, sentindo-a na pele. Você é café-com-leite, você não é bonita o suficiente, você não será amada, você está gorda demais. E compre isso aqui para diminuir o buraco que eu, empresa, criei em você.
***
Como a mídia errou ao representar as mulheres em 2013 (em inglês). Vídeo do The Representation Project.

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sábado, 7 de dezembro de 2013

O mundo precisa de mais Mandelas

A mídia trata Mandela como um semideus, o que ele obviamente não foi. Mas os elogios são merecidos diante das conquistas alcançadas pelo líder sul-africano
por Deutsche Welle  publicado 07/12/2013 08:34, última modificação 07/12/2013 09:00
 Alexander Joe / AFP
Em reunião do Congresso Nacional Africano, o partido de Mandela, sul-africanos rezam em frente à casa do ex-presidente da África do Sul, em Johannesburgo
Por Claus Stäcker*
Nelson Mandela certamente não foi um santo, embora este seja o tom da mídia: cada manchete o torna um pouco mais sobre-humano, a admiração assume traços de idolatria. E algumas testemunhas juram que, na presença dele, eram invadidas pelo especial carma de Mandela. Sempre que a África do Sul precisava de um milagre, falava-se em "Madiba Magic".
Para ele, o culto à personalidade era antes algo embaraçoso. Só com relutância aceitava emprestar seu nome a ruas, escolas e institutos ou ver a construção de estátuas de bronze e museus Mandela – uma tendência que agora só tende a aumentar.
Em várias ocasiões, Mandela se referiu à resistência como um poder coletivo, a pioneiros históricos e companheiros de luta como Mahatma Ghandi, Albert Luthuli ou seu amigo e companheiro Oliver Tambo, cujo nome se encontra injustamente à sombra de Mandela.
Foi Tambo o primeiro a trabalhar para que a luta de resistência do Congresso Nacional Africano (CNA) fosse aceita mundialmente. E foi Tambo o primeiro a encenar o conto de fadas mundial de Mandela, no qual toda pessoa justa poderia se reconhecer – em Spitzbergen ou na antiga Berlim Oriental, em São Francisco ou em Pequim.
Quando o prisioneiro de número 46664 foi libertado, depois de 27 anos no cárcere, ele era uma marca, um ídolo mundial, um mito – associado a projeções, desejos; abarrotado de expectativas, que uma pessoa só não poderia cumprir.
Mas quem iria arranhar sua imagem? Enumerar seus pecados juvenis, seus filhos bastardos? Sua fraqueza pelas mulheres, sobretudo por mulheres bonitas: modelos, estrelinhas pop e jornalistas, com quem flertava da forma mais politicamente incorreta até como antigo estadista? Quem iria se atrever a condenar seus planos de ataque quando era líder da tropa de combate do CNA Umkhonto weSizwe (lança da nação)? E a criticar seu jeito exaltado e arrogante, do qual os companheiros de cela e ex-funcionários hoje sorriem?
Mesmo seu balanço como chefe de governo, entre 1994 e 1999, não é de forma alguma celestial. O seu mandato foi marcado pelo pragmatismo e pela indulgência política. Decisões necessárias eram procrastinadas, as tarefas do dia a dia eram deixadas nas mãos de outras pessoas. Ele também tomou decisões erradas quanto à escolha de algumas amizades políticas – o comandante líbio Muammar Khadafi, por exemplo, que deu nome até mesmo a um neto de Mandela. Em retrospectiva, nem tudo se encaixa na imagem de visionário e gênio.
Tudo isso é perdoado, porque, apesar de tudo, Mandela realizou algo praticamente inumano. Nesse contexto, o longo cativeiro desempenha um papel importante. A prisão não o dobrou, ela o marcou. Mandela disse uma vez que, para ele, a prisão na ilha de Robben foi uma "universidade da vida". Lá, ele aprendeu a ter disciplina, e no diálogo com os guardas, aprendeu humildade, paciência e tolerância.
Sua ira juvenil desapareceu, dando lugar à suavidade e à sabedoria da idade. Finalmente livre, Mandela não era mais um cidadão irado, nem mesmo um revolucionário. Essa é a crítica, mesmo que velada, de alguns de seus companheiros. Eles queriam um golpe de Estado, uma revolução nacional.
Ele desejava a reconciliação, a quase qualquer preço. E a sua própria metamorfose mostrou ser o seu ponto mais forte: saber se libertar de padrões de pensamento ideológicos, reconhecer o todo a partir do próprio movimento. Não encarar quem pensa diferente como um inimigo. Ser capaz de ouvir. Espalhar mensagens de reconciliação até quase o limite da abnegação. Somente assim ele pôde servir como exemplo a negros e brancos, a comunistas e empresários, a calvinistas e muçulmanos.
Ele foi um missionário, um pregador do amor ao próximo. "Perto dele todos eram iguais", exaltou o músico sul-africano Sipho Hotstix Mabuse após uma recepção para Mandela em Londres. Mandela lhe deu a sensação de não ser menos importante que Bono, o príncipe Charles e Bill Clinton na mesa ao lado. Ele respeitava músicos e presidentes, rainhas e faxineiras. Ele memorizava nomes e perguntava pelos familiares. Indagava educadamente, levava todas as questões a sério. Com um sorriso, uma brincadeira, algumas saudações direcionadas, ele ganhava qualquer público. Sua aura conquistava a todos, mesmo inimigos políticos.
Certamente isso não o qualifica a semideus, mas ele é endeusado com razão. Ele tem de ser mencionado no mesmo patamar que Mahatma Gandhi, Dalai Lama ou Martin Luther King. Mandela fez história no melhor sentido da palavra – e nem mesmo Barack Obama seria presidente dos EUA, segundo suas próprias palavras, sem tê-lo tido como exemplo.
Por tudo isso é secundário que Mandela seja agora tratado como um deus. Que ele não tenha podido realizar tudo na política equivale apenas a uma nota de rodapé na sua biografia. Seu mérito está em ter apresentado um exemplo credível de humanismo, tolerância e não violência.
Mandela não foi nenhum santo, mas um ser humano com pontos fortes e fracos, marcado pela sua época e lugar. Ainda assim será difícil encontrar alguém maior. E um pouco mais de Mandela todos os dias movimentaria muita coisa. Na África, mas também em Berlim, Jerusalém ou Moscou.
*É chefe do Departamento África da DW

sábado, 30 de novembro de 2013

ATTENAS AULAS

Mais de 70% dos jovens que não estudam nem trabalham são mulheres

  • ATTENAS - UMA ESCOLA PREOCUPADA COM A SOCIEDADE! 
Segundo os pesquisadores, a situação é preocupante para as pessoas de 25 a 29 anos que não trabalhavam e não estudavam, uma vez que 51,5% tinham ensino médio incompleto, 39,2% completo e 9,3% ensino superior incompleto ou completo
29/11/2013
Flávia Villela
Da Agência Brasil
Um em cada cinco jovens brasileiros de 15 a 29 anos não trabalhava nem frequentava a escola em 2012, sendo que cerca de 70% eram mulheres. Os números são resultado da Síntese de Indicadores Sociais – Uma Análise das Condições de Vida dos Brasileiros, divulgada hoje (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O grupo, chamado de nem-nem, reúne 9,6 milhões de pessoas e era maior entre os jovens de 18 a 24 anos de idade (23,4%). No subgrupo de 15 a 17 anos, a proporção foi 9,4%.
Entre as mulheres nem-nem, 58,4% tinham pelo menos um filho. A proporção cresce com a idade: 30% das meninas com idade entre 15 e 17 anos, 51,6% entre 18 a 24 anos e 74,1% do grupo entre 25 e 29 anos.
Aos 19 anos, Thayane dos Santos é mãe de Carlos, de 2 anos. Ela mora na casa da mãe dela com mais dois irmãos. A jovem terminou o ensino médio, mas não estuda nem trabalha. “Não tenho quem fique com ele [Carlos], porque minha mãe trabalha e meus irmãos estudam. Não há creche pública perto de casa e os trabalhos que encontrei pagavam pouco e não daria para eu pagar alguém para cuidar dele”, explicou Thayane, ao contar que teve uma oportunidade de trabalhar em casa de família e em uma loja, mas recusou por causa do filho.
De acordo com a coordenadora-geral da pesquisa, Ana Lúcia Saboia, não é possível atestar uma causa direta entre ter filho e não trabalhar nem estudar. “Precisamos ter uma estrutura melhor de creches, por exemplo. Nós mulheres sabemos como é difícil conciliar trabalho com filho”, comentou ela.
Entre as pessoas de 15 a 17 anos de idade que não frequentavam escola e não trabalhavam, 56,7% não tinham o ensino fundamental completo, embora devessem estar cursando o ensino médio, segundo as recomendações do Ministério da Educação.
Em relação as pessoas de 18 a 24 anos, que deveriam ter ao menos o ensino médio completo, somente 47,4% das que não trabalhavam e não estudavam tinham completado esse nível de ensino. A maioria (52,6%) tinha o ensino médio incompleto.
Segundo os pesquisadores, a situação é preocupante para as pessoas de 25 a 29 anos que não trabalhavam e não estudavam, uma vez que 51,5% tinham ensino médio incompleto, 39,2% completo e 9,3% ensino superior incompleto ou completo.
Segundo o IBGE, entre as mulheres de 15 a 17 anos que não tinham filho, 88,1% estudavam e somente 28,5% das que tinham um filho ou mais estudavam. Um total de 68,7% delas não estudavam nem completaram o ensino médio.
No grupo de mulheres de 18 a 24 anos de idade, 40,9% daquelas que não tinham filho ainda estudavam, 13,4% não estudavam e tinham até o ensino médio incompleto, 45,6% não estudavam e tinham pelo menos o ensino médio completo.
No mesmo grupo etário, entre aquelas que tinham filho, somente 10% estudavam, 56,7% não estudavam e tinham até o ensino médio incompleto, 33,3% não estudavam e tinham pelo menos o ensino médio completo.

Foto: ABr

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A ÁFRICA MORA EM MIM! MITXCHELLL

Por que para o negro não?
José Vicente fala sobre o atraso das universidades paulistas ao resistir às cotas e a falta de representatividade racial no País
Por Lívia Perozim — publicado na edição 67, de junho de 2013
Quinta-feira, 19 horas. É o primeiro dia da semana que o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, vai à instituição com sede no Clube de Regatas Tietê, na marginal de mesmo nome, bairro Armênia. Na fase de conclusão de sua tese de doutorado, o tempo está curto. Atende dois funcionários em sua sala, posa para esta fotografia e sai para o pátio principal para homenagear uma turma de 24 alunos selecionados para estagiar no Bradesco, uma das instituições privadas que ajudam a manter a única faculdade com maioria negra do País. Lá, cada conquista dos 1,8 mil alunos (90% deles são negros declarados) é comemorada. O poder do incentivo José Vicente aprendeu com a vida.  Caçula entre os seis filhos, perdeu o pai com 1 ano de idade. Ainda criança, foi trabalhar na roça com a mãe. Eram boias-frias em Marília, interior de São Paulo. A ajuda de uma vizinha que trabalhava numa escola e a dedicação aos estudos fez dele soldado, advogado e, mais tarde, sociólogo. Nos anos 90, Vicente encabeçou um grupo de pessoas que conseguiam bolsas de estudo para negros em universidades particulares e fundou a Afrobras, ONG que administra a Zumbi dos Palmares. Nesta entrevista, talvez a antepenúltima tarefa da noite da referida quinta-feira, José Vicente explica por que os negros precisam de cotas e outras medidas que diminuam o abismo que os separa de brancos.

CartaCapital: Recentemente, o Supremo Tribunal Federal validou a constitucionalidade das cotas raciais na Universidade de Brasília. O que a decisão representa? 
José Vicente: Essa decisão coloca por terra um falso dilema. Em síntese, a discussão até agora era de que a ciência, a genética, afirmava não haver raça e, por não haver raça, não havia racismo ou desigualdade em razão do racismo. Então, não precisávamos nos preocupar com medidas pontuais. Bastariam as medidas universais e o problema estaria resolvido. Quando comparamos essa ciência, a genética, com a outra ciência, que é a estatística, percebemos uma distorção.  A despeito de não haver raça do ponto de vista biológico, temos um desequilíbrio por causa de um passivo histórico que se reproduz e se concretiza no presente, mantendo o gap entre brancos e negros. Quando o STF assume que estávamos equivocados e que há sim uma distorção em decorrência de tratamentos distintos em razão da cor da pele, do fator racial, o tema finalmente é colocado no seu lugar de racionalidade. Ao mesmo tempo, são legitimadas ações feitas há uma década, como é o caso das cotas raciais da Uerj e da UnB. Nessa perspectiva, essa decisão talvez seja a primeira, em dimensão de importância do Supremo, que tira um discurso falso e coloca um verdadeiro. 

CE: Mesmo diante da decisão do STF, a USP, a Unesp e a Unicamp, as maiores universidades públicas de São Paulo, afirmaram que não vão adotar o sistema de cotas raciais. Os jornais Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo escreveram editoriais contrários às cotas raciais. Por que o estado considerado a “locomotiva do País” se nega a aceitar as cotas?
JV: É uma contradição. O discurso desses setores e de seus representantes, que são esses veículos citados por você, é o da modernidade e da efetividade dos diretos do cidadão. Mas, no momento em que o mundo todo combate o racismo e produz políticas para atender minorias e combater desequilíbrios sociais, o maior e mais poderoso estado da Federação e os seus ambientes de produção de conhecimento e de produção econômica se recusam a se debruçar sobre esse tema e apresentar uma solução, diferentemente do resto de todo o País. É também contradição porque lá no fundo, a bem da verdade, as medidas que hoje estão sendo cristalizadas começaram com parte da representação política de São Paulo. Foi o PSDB, por exemplo, a social-democracia, que definiu e impôs medidas afirmativas de inclusão de negros nos mais variados espaços do País. Foi no governo de Mário Covas que se criaram os conselhos da comunidade negra. As primeiras cotas, principalmente no serviço público, foram criadas no governo de FHC, o Programa de Ação Afirmativa é dele, é de Covas. Depois que a social-democracia define que isso é prioridade, é ela própria que diz, por meio das instituições que comanda há tantos anos, “tem razão, mas vai preso”. É incompreensível. E o pior e mais grave: é papel da Universidade discutir e produzir conhecimento sobre um fenômeno que produza qualquer tipo de desigualdade ou trave o desenvolvimento do progresso e da sociedade. Se as universidades públicas, custeadas com o recurso dos negros paulistas e paulistanos, se recusam a aprimorar, criar políticas e tecnologias, a questão que se coloca é: por que para os negros não? Todos usufruem do espaço do ensino público. A USP, a Unesp e a Unicamp recebem negros dos convênios dos países africanos sem vestibular, por exemplo. Na cidade e no estado de São Paulo existem 37% de negros autodeclarados. Nem no governo estadual nem no municipal temos negro no primeiro, segundo, terceiro e quarto escalões. Dos 6 mil professores da USP, meia dúzia é de negros. Do corpo docente todo, não tem mais que 6%.

CE: São Paulo finge viver uma democracia racial?
JV: O fato é que isso não é uma limitação de São Paulo. É uma limitação de todas as universidades públicas. Apenas 1% dos professores universitários de todo o País é de negros, 1% dos pesquisadores e 1% dos profissionais que trabalham em cargos de maior status nas universidades são negros autodeclarados. Se compararmos com a África do Sul e com os EUA no tempo do apartheid, ficamos corados de vergonha, porque esses países tinham mais negros nesses espaços do que nós temos hoje na democracia brasileira. 

CE: O senhor vê novas perspectivas para o negro no governo Dilma?
JV: A presidenta Dilma, da mesma maneira que os demais governantes, ainda não tratou com toda a ênfase, intensidade e mesmo com toda a atualidade esse tema. Nós tínhamos no governo Lula, em alguns momentos, quatro ministros negros: Gilberto Gil, Benedita da Silva, Matilde Ribeiro e Orlando Silva. Agora, no governo Dilma, não temos nenhum negro no primeiro escalão. No ministério, nos bancos públicos, nas universidades públicas, nos postos de prestígio não há negros. Imagine que quando o Obama esteve no Brasil, o país mais negro da América, não havia um negro no almoço de recepção. Continuamos nos comportando como se as coisas estivessem todas no lugar quando, na verdade, sempre estiveram e continuam fora do lugar. Antes se dizia que a discriminação não era racial, era social, e com o milagre brasileiro tudo se resolveria. Hoje chegamos à condição de sexta potência mundial, e o gap  é o mesmo de quando estávamos entre as septuagésimas economias do mundo.

CE: Nosso passivo histórico com o negro é comparado ao passivo atual que temos com o aluno de escola pública, sujeito a uma educação de má qualidade. Ao defender que as cotas deveriam ser apenas para alunos de escolas públicas, estamos comparando passivos da mesma ordem?
JV: Nosso passivo com o negro é anterior à Abolição e se manifesta depois da escravidão. O que acontecia antes da escravidão, que era a exclusão total, se repetiu, se ampliou e chegou a um estágio simplesmente insuperável de exclusão do negro na sociedade brasileira. O que acontece, sim, é uma exclusão social e não racial, mas todos os números comprovam o contrário. Quem defende a cota sem critério de cor usa isso como uma ideologia para defender interesses de grupos que, encastelados na oportunidade, não têm sequer a capacidade de fazer uma concessão. Quando as universidades públicas de São Paulo se negam a disponibilizar cotas, elas estão dizendo “cadê o meu queijo que estava aqui?”, “Ah, ele está aqui e ninguém tasca”. Isso é uma postura equivocada, que já estava equivocada no passado e que hoje não tem mais lugar. 

CE: Adotar cotas por si só é suficiente? As universidades estão preparadas para romper com o status quo? 
JV: É assim que eu respondo à pergunta que você fez primeiramente. Quais são os significados da decisão do Supremo? O primeiro é justamente esse. Arrancar um discurso ultrapassado, retirar e limpar os obstáculos postos, que impediam a abertura de uma trilha e, a partir dessa trilha, enxergar a luz no final do túnel. Isso o STF fez. Agora, caminhar daqui até a luz vai precisar ser novamente uma priorização da sociedade, uma estratégia global e do governo, e uma conquista dia a dia para fazer com que essa possibilidade vire realidade. Seguramente, as cotas não têm a capacidade milagrosa de se resolver todos os males do negro brasileiro nem a capacidade mística de fazer com que todos os problemas do País do passado desapareçam do presente e não se coloquem no futuro. O problema é que dentro dos palácios em que se discutem as direções da nação não existem negros. 

CE: O ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, no Supremo, é representativo?
JV: É só um símbolo. E um símbolo não vai conseguir produzir uma ação, por um motivo muito simples: ele é 1 de 11. No Supremo Tribunal de Justiça, temos 1 em 33, no estado de São Paulo, somos 1 para 400. A capacidade individual dessas pessoas, numa perspectiva de decisão em cima de uma agenda do negro, é quase nenhuma. 

CE: Vai chegar um momento de discutir cotas para professores negros nas universidades?
JV: Não dá para ser meio democrata ou meio republicano ou meio igualitário. Ou seremos gente grande ou vamos continuar nos escondendo atrás de uma falsa discussão e atrás de uma -realidade aparente de igualdade.  

CE: Podemos falar hoje de uma classe média ou uma classe empresarial negra?
JV: Lógico que não. Se não temos nos 400 desembargadores do maior tribunal de Justiça da América do Sul sequer um negro, que classe média é essa? Se dos 33 ministros, temos apenas uma mulher negra em uma secretaria de segundo escalão? Se de todas as universidades do País, o único reitor negro é este que vos fala? Não é questão de pensar em cotas para negros no corpo docente. O problema são essas instituições caírem no divã e pensarem que têm algo muito errado naquilo que elas praticam e pregam. O quadro delas de alunos, de professores e funcionários não é o Brasil e não reflete a mistura de raças que advogam como sendo o centro da brasilidade e da identidade tripartida entre negros, índios e brancos. Não advogo pelas cotas de professores, mas não tenho dúvidas de que precisamos das mais variadas medidas que impeçam essa exclusão do negro no ambiente acadêmico.

CE: O País precisa de outras faculdades como a que o senhor dirige?
JV: Eu preferiria que o País praticasse esses fundamentos e que amanhã eu fechasse a Zumbi dos Palmares enquanto uma simbologia dessa natureza. Mas  tenho muitas dúvidas se o Brasil terá capacidade para fazer uma mudança de rumo tão profunda. E digo isso pensando em temas tão importantes para os brasileiros como a educação, a saúde e a infraestrutura urbana.

CE: A Zumbi dos Palmares está sozinha nessa mudança de mentalidade?
JV: O fardo que acabou sobrando para a gente é muito pesado. Primeiro, porque temos a responsabilidade de dar certo de toda maneira e de sermos os portadores dessa nova fisionomia e produtores da mudança. Como você está vendo, sou só uma pessoa limitada, como todas as outras. De modo que absorver uma responsabilidade dessa natureza perante todo o estado e o País é uma coisa que nos amedronta e estarrece. Por outro lado, a gente procura responder de forma ativa ao tempo e ao compromisso que deveria ser de todo cidadão. Tenho uma realidade que me atormenta e constrange e preciso tentar modificá-la. É o nosso foco e compromisso. A gente tem uma força interior e exterior que nos encaminha e acalenta nessa direção. Não há bem mais valioso do que poder olhar nos olhos dessas pessoas e ser um ponto de comunicação importante deles com o resto do universo. Neste momento, não sentimos cansaço, pelo contrário, sentimo-nos como ungidos, agraciados. O criador nos colocou diante de uma missão para fazer as pessoas acreditarem que é possível enfrentar esse desafio. 

CE: A universidade conta com o apoio institucional de empresas? Como está sendo mantida?
JV: Ela continua sendo um sacerdócio. Esses jovens pagam em média 300 reais por um curso que no mercado custa 700. E para um curso que seja na Zumbi ou no Mackenzie, a estrutura é a mesma. Ou seja, você precisa de professores, infraestrutura. Algumas empresas colaboram, contribuem. Muito menos do que a gente precisa. Mas, agradecidamente, com aquilo que nos auxilia. De modo que não temos do que reclamar. O fato é que ficamos reféns de um grupo muito pequeno de colaboradores que o fazem, no mais das vezes, por ter uma interação pessoal e íntima com os trabalhos. O compromisso dessas empresas tem ajudado bastante. O Bradesco é um parceiro relevante, a Mercedes, a Ford, mas o fato é que fazer a revolução, ou fazer a transformação, custa. E, como diria Milton Freire, não existe almoço grátis. Nós não temos representação no BNDES, no Banco do Brasil. Aliás, nunca tivemos um tostão das instituições públicas. 


terça-feira, 5 de novembro de 2013

“Rede Globo, fantástico é o seu racismo!”


“A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil“, deveras sentenciou Joaquim Nabuco. Mas na versão global, ironicamente “inteligente”, ele diz: “O Brasil já é um país mestiço! E não vamos tolerar preconceito!”.

Nas últimas semanas escrevi dois textos sobre a relação entre meios de comunicação, publicidade e humor e a prática de racismo, o primeiro provocado por uma peça publicitária de divulgação do vestibular da PUC-PR e o segundo por conta de um programa de humor que ridicularizava as religiões de matriz africana. Hoje, graças a Rede Globo de televisão, retorno ao tema.
Neste domingo 3 de novembro o programa Fantástico, em seu quadro humorístico “O Baú do Baú do Fantástico”,  exibiu um episódio cujo tema é muito caro para a história da população negra no Brasil.
Passado mais da metade do programa, eis que de repente surge a simpática Renata Vasconcellos. Sorriso estonteante ainda embriagado pela repentina promoção: “Vamos voltar no tempo agora, mas voltar muito: 13 de maio de 1888, no dia em que a Princesa Isabel aboliu a escravidão. Adivinha quem tava lá? Ele, o repórter da história, Bruno Mazzeo!”


O quadro, assinado por Bruno Mazzeo, Elisa Palatnik e Rosana Ferrão, faz uma sátira do momento histórico da abolição da escravidão no Brasil. Na “brincadeira” o repórter entrevista Joaquim Nabuco, importante abolicionista, apresentado como líder do movimento “NMS – Negros, mulatos e simpatizantes”!
Princesa Isabel também entrevistada, diz que os ex-escravos serão amparados pelo governo com programas como o “Bolsa Família Afrodescendente”, o “Bolsa Escola – o Senzalão da Educação” e com Palhoças Populares do programa “Minha Palhoça, minha vida”!
“Mas por enquanto a hora é de comemorar! Por isso eles (os ex-escravos) fazem festa e prometem dançar e cantar a noite inteira…” registra o repórter, quando o microfone é tomado por um homem negro que, festejando, passa a gritar: “É carnaval! É carnaval!”

O contexto
Não acredito que qualquer conteúdo seja veiculado por um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo apenas por um acaso ou sem alguma intencionalidade para além da nobre missão de “informar” os milhões de telespectadores, ora com seus corpos e cérebros entregues aos prazeres educativos da TV brasileira em suas últimas horas de descanso antes da segunda feira – “dia de branco”.
E me perguntei: Por que – cargas d’água, a Rede Globo exibiria um conteúdo tão politicamente questionável? O que teria a ganhar com isso? Sequer estamos em maio! Que “gancho” ou motivação conjuntural haveria para justificar esse conteúdo?
Bom, estamos em novembro. Este é o mês reconhecido oficialmente como de celebração da Consciência Negra. É o mês em que a população  a f r o d e s c e n d e n t e  rememora, no dia 20, Zumbi dos Palmares, líder do mais famoso quilombo e personagem que figura no Livro de Aço como um dos Heróis Nacionais, no Panteão da Pátria. Relevante não?
Estamos também na véspera da III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que começa nesta terça, dia 5 e segue até dia 7 de Novembro, em Brasília, momento ímpar de reflexão e debates sobre os rumos das ações governamentais relacionadas a busca de uma igualdade entre brancos e negros que jamais existiu no Brasil. Isso somado à conjuntura de denúncia de violência e assassinatos que tem como principais vítimas os jovens negros, essa Conferência se torna ainda mais importante.
Voltando ao Fantástico, evidente que há quem leia as cenas apenas como um mero quadro humorístico e como exagero de “nossa” parte. Mas daí surge novas perguntas:
Um regime de escravidão que durou 388 anos; Que custou o sequestro e o assassinato de aproximadamente 7 milhões de seres humanos africanos e outros tantos milhões de seus descendentes; e que fora amplamente denunciado como um dos maiores crimes de lesa-humanidade já vistos, deve/pode ser motivo de piadas?
Quantas cenas de “humor inteligente” relacionado ao holocausto; Ou às vítimas de Hiroshima e Nagasaki; Ou às vítimas do Word Trade Center ou – para ficar no Brasil – às vítimas do incêndio na Boate Kiss, assistiremos em nossas noites de domingo?
Ah, mas ex-escravizados festejando em carnaval a “liberdade” concebida pela áurea princesa boazinha, isso pode! E ainda com status de humor crítico e inteligente.
Minha professora Conceição Oliveira diria: “Racismo meu filho. Racismo!”.

A democratização dos meios de comunicação como forma de combate ao racismo
Uma das tarefas fundamentais dos meios de comunicação dirigidos pelas oligarquias e elites brasileiras tem sido a propagação direta e indireta – muitas vezes subliminar, do racismo. É preciso perceber o que está por trás da permanente degradação da imagem da população negra nesses espaços. Há um pensamento racista que é, ao mesmo tempo, reformulado, naturalizado e divulgado para a coletividade.
A arte em forma de publicidade, teledramaturgia, cinema e programas humorísticos são poderosos instrumentos de formação da mentalidade. O que vemos no Brasil, infelizmente, é esse poder a serviço do fomento a valores racistas e preconceituosos que, por sua vez, gera muita violência. A democratização dos meios de comunicação é fundamental para combater essa realidade. No mais, deixo duas perguntas ao governo federal e ao congresso nacional, dos quais devemos cobrar:
O uso de concessão pública para fins de depreciação, desvalorização da população negra e da prática do racismo, machismo, sexismo, homofobia e todos os tipos de discriminação e violência não são suficientes para colocar em risco a concessão destes veículos?
Por que Venezuela, Bolívia e Argentina, vizinhos latino-americanos, avançam no sentido de diminuir a concentração de poder de certos grupos de comunicação e no Brasil os privilégios para este setor só aumentam?
Tantas perguntas…
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39 thoughts on ““Rede Globo, fantástico é o seu racismo!”
1.     http://1.gravatar.com/avatar/77e18adabb45c0603b16152b00b22245?s=40&d=http%3A%2F%2F1.gravatar.com%2Favatar%2Fad516503a11cd5ca435acc9bb6523536%3Fs%3D40&r=GJilson Carlos Souza

Ridículo, uma pauta desse tipo é para atender a classe média e a burguesia nojenta de nosso Brasil continental.
2.   http://1.gravatar.com/avatar/3a3a7cd36bd0476cf61f7a3427cc22e0?s=40&d=http%3A%2F%2F1.gravatar.com%2Favatar%2Fad516503a11cd5ca435acc9bb6523536%3Fs%3D40&r=GVINÍCIUS GAMA

Bem… Pelo o que eu entendi do vídeo, ele está tentando mostrar que mesmo com a Lei aprovada essa divisão escravo/senhor de engenho ainda existe, só que de forma enrustida. E no final ele coloca o carnaval como momento de festa em que eles esquecem que ainda estão sendo escravizados. O que me pareceu não é ele estar ridicularizando os negros, mas sim o governo que mantém o mesmo sistema de forma invisível e a população que aceita isso. Sinceramente acho que a intenção do Bruno Mazzeo foi entendida de forma errada.