Casamento “real”: quem precisa de um conto de fadas?
O espírito de Walt Disney ronda as redações na celebração do casamento da plebeia que poderá tornar-se a futura rainha da Inglaterra. A síndrome de Cinderela envolve Kate Middleton que, a partir desta sexta feira, ganhou o qualificativo de duquesa ao oficializar sua união com o príncipe William, segundo herdeiro do trono inglês. Se vier a receber a coroa um dia, ela será a primeira rainha inglesa, em mil anos de monarquia, sem origem aristocrática nem “sangue azul” – filha de pais plebeus que ficaram milionários com uma empresa de festas infantis, seus avós foram operários, reforçando nesta condição um alegado fortalecimento da ligação entre a monarquia e o povo.
É uma história que alimenta o mito numa família real conturbada, nas últimas décadas, por acontecimentos pouco edificantes amplamente difundidos por uma imprensa bisbilhoteira. Além disso, a avó de William, Elizabeth II, está entre os chefes de estado mais antigos do mundo – no ano que vem completa sessenta anos de mandato, fato que os caçadores midiáticos de governantes longevos parecam nem notar.
Quando Elizabeth II completou 25 anos de reinado, a festa reuniu 10 milhões de pessoas nas ruas inglesas; quando a mãe de William, Lady Diana, casou-se com Charles, o príncipe herdeiro, em 1981, uma multidão do mesmo tamanho comemorou; o casamento atual teve números mais modestos, embora imensos e mobilizou dois milhões de pessoas nas comemorações, uma redução que os republicanos ingleses destacam como queda no apreço popular pela realeza.
Mas o que encanta a mídia, além do glamour da monarquia e de uma mal disfarçada saudade do governo de “sangue azul”, são os dois bilhões da assistência televisiva mundo afora, um ritmo de final de Copa do Mundo de futebol. E que transforma aquele acontecimento num evento comercial que pode envolver grandes lucros.
O casamento na família real britânica é tratado como magnífico acontecimento político e social, mesmo que seja numa monarquia de uma potência decadente em grave crise econômica cujo custo está sendo jogado, pelo governo conservador e com o apoio da instituição monárquica, sobre os ombros dos trabalhadores ingleses. O desemprego passa dos 8% e o governo combate a crise com cortes orçamentários de assustadores 80 bilhões de libras (210 bilhões de reais), além de aumentos de impostos de 30 bilhões de libras. Vão afetar principalmente os gastos na área social como, por exemplo, a educação.
Este conto de fadas midiático faz parte do reforço e do relançamento da própria monarquia. O auge dos escândalos envolvendo o pai de William e primeiro na linha da sucessão ao trono, o príncipe Charles, foi também acompanhado pelo crescimento do descontentamento com este sistema. Hoje há um crescente movimento republicano na Inglaterra, com uns 14 mil militantes; o Republic, que galvaniza esse movimento, quer intensificar o debate e convocar um plebiscito para discutir a permanência da monarquia. Uma pesquisa divulgada pelo jornal The Guardian (que é a favor da república) mostrou que cerca de um terço dos ingleses quer mudar o sistema, enquanto 70% consideram que amonarquia ainda é relevante para a Inglaterra.
Estes números, contudo, não merecem destaque na mídia que, aliás, procura diminuir sua importância, destacando o glamour do governo de um só – mesmo que seja constitucional. Há aqueles que, comentando a cinderela da vez, acham necessário cobri-la de adjetivos qualificadores falando em “linda e sofisticada plebeia”, como um comentário publicado na Folha de S. Paulo. Em O Estado de S. Paulo, um comentarista (norte-americano, por sinal) referiu-se à monarquia inglesa como “mil anos de poesia”.
São comentários significativos. Para muita gente, e com força entre os conservadores, a monarquia é vista como fator de estabilidade, de governo dos “melhores” e garantia contra avanços democráticos mais radicais. Um rei, a liturgia do trono e o simbolismo envolvido favoreceriam em sua opinião, a “harmonia social”. Mas são na verdade penhor de unidade e fortalecimento da classe dominante que teria, naquela figura, um forte elemento de apelo popular.
Há aqueles que pensam ser necessário, nos dias atuais, um conto de fadas consolador para o povo. Este é o papel que a mídia hegemônica desempenha com agrado. Ela já faz isso cotidianamente com a bisbilhotagem em torno da vida dos ricos e das celebridades e nunca perde a oportunidade de aumentar a dose quando tem como protagonista um casal real de verdade.
PRINCE MITxCHELLL III - DA DINASTIA OSTROGOTO CASADO COM DUQUESA SOPHIA!
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