Edição
1972 de 21 a 28 de abril de 2013
Música
O sertanejo universitário na
era da imbecilidade monossilábica
Um movimento circular, no
qual aquele que nada tem a oferecer intelectualmente alimenta com sua arte quem
já se encontra morrendo de inanição cerebral
Rafael Teodoro
Especial para o Jornal Opção
Há uma
tendência idiomática, estudada pelos gramáticos e linguistas, e mesmo
constatável empiricamente, que consiste na ação do falante de abreviar as
palavras. Assim, palavras longas são reduzidas ao longo do tempo. Exemplo
clássico encontra-se no pronome “vocês”. Esta forma, tal como se encontra hoje
registrada nos léxicos, nem sempre se pôde considerar “correta”. Em Portugal, a
nação europeia da qual o Brasil herdou seu idioma oficial, houve um tempo em
que o pronome de tratamento real era “vossa mercê”. Expressão longa, a passagem
dos séculos tratou de vulgarizá-lo, abreviando-o. Hoje o escrevemos apenas como
“você” — considerando-o plenamente aceitável nos rígidos quadrantes da
gramática normativa culta.
Talvez a necessidade de fluidez nos diálogos possa explicar, ao menos em parte,
esse movimento de “encurtamento” das palavras numa língua. O interlocutor
apressado deseja exprimir suas ideias e sentimentos com rapidez. Logo, usa de
vocabulário que lhe proporcione a celeridade almejada. E é aí que a abreviação
encontra campo fértil para desenvolver-se, porquanto parece ser de fácil
compreensão que palavras curtas propiciam agilidade a uma conversa. Nos
tempos presentes, na afamada “era digital”, esse movimento, outrora secular,
acelerou-se. Hoje é possível notar sem dificuldades o recrudescimento do
processo de abreviação das palavras de um dado idioma.
Para citar novamente o caso do “você”, nas redes sociais e nos programas de
comunicação instantânea via internet, aquele pronome, cuja forma culta na
atualidade já é uma redução da original, foi novamente “mutilado”, tornando-se
um singelo “vc”. Idêntico fenômeno se observa no verbo “teclar”: quando usado
na denotação de “acionar por meio de teclas”, o usuário da internet tem
preferido um simples “tc”.
Essas transformações linguísticas, se de um lado operam-se nos rastros das
consequências sociais da globalização — aquilo que o sociólogo Zygmunt Bauman
chamou de “modernidade líquida” —, de outro decorrem de uma tentativa de
estabelecimento de um signo linguístico capaz de comportar uma sociedade
acelerada e sem freio. Eis o “idioma da velocidade”.
O “idioma da velocidade”, dessa maneira, pode-se considerar como sendo o
sistema de comunicação mediante o qual o interlocutor prioriza a ligeireza da
interlocução: o diálogo deve ser rápido, fluido, “líquido”, mesmo que, para tal
fim, seja preciso sacrificar regras comezinhas de sintaxe ou abreviar
impiedosamente as palavras.
Um conceito obscuro no cancioneiro nacional
A ideia de “idioma da velocidade”, que ora estou a propor, encontrou terreno
fecundo na música comercial brasileira. Especificamente, refiro-me ao gênero
que se convencionou chamar de “sertanejo universitário” — atualmente dominante
em todas as rádios do País.
O conceito de “sertanejo universitário” é dos mais obscuros do cancioneiro
nacional. Trata-se de uma aparente “contradictio in terminis”, afinal,
“sertanejo” remete à ideia de “sertão”, área agreste, rústica, visto que
distanciada dos grandes centros urbanos. Já “universitário” é adjetivo que se
liga incontinenti à “universidade”, isto é, espaços de difusão dos saberes
científico e filosófico e que, o mais das vezes, situam-se justamente em áreas
de intensa urbanização. Por isso, já houve quem quisesse definir “sertanejo
universitário” como sendo o “caipira que passou no vestibular” ou “o cidadão
urbano com origens no sertão”. Nenhum desses conceitos, é claro, corresponde à
realidade. De “sertanejo” esse universitário não tem absolutamente nada.
Cuida-se, sim, da juventude da cidade que decidiu colocar um chapéu de cowboy e
“cair na balada”.
Do ponto de vista musical, o sertanejo universitário hoje é um gênero musical
utilizado comumente para designar a fórmula da “música dançante feita para
gente descerebrada”. É o correspondente hodierno, do século 21, ao que foi a
axé music no fim do século 20, mais precisamente na década de 1990: a demonstração
cabal de que o físico alemão Albert Einstein estava certo quando afirmou: “Duas
coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, quanto ao universo,
ainda não estou completamente certo disso”.
A década perdida da música brasileira
Recordando
os tristes anos de 1990, a década perdida da música brasileira, o império da
axé music na indústria fonográfica nacional proporcionou algumas das mais
constrangedoras composições que alguém, supostamente um ser racional, já foi
capaz de escrever. Naqueles idos, expressões do quilate de “vai dançando
gostoso, balançando a bundinha” tornaram-se símbolos de uma geração destruída
pelo assédio constante da lógica hedonista do “prazer carnavalesco
ininterrupto, curtição acéfala e exibicionismo de corpos plasticamente
esculpidos na academia”. Era o princípio de uma tendência irrefreável, que só
se acentuaria ao longo dos anos na música brasileira: a substituição do cérebro
pelas nádegas. Era o começo da MIB: Música Imbecil Brasileira. O acrônimo de
uma geração de jovens destruída pela estultice.
O grau de estupidez a que os ouvidos humanos foram submetidos nessa “idade das
trevas” das rádios do País pode ser muito bem representado num dos hits do mais
emblemático dos grupos surgidos no período. Refiro-me ao É o Tchan e a sua
antológica “Na boquinha da garrafa”, sucesso radiofônico absoluto, cujas
coreografias foram repetidas incessantemente em programas de auditório
dominicais, com suas dançarinas calipígias “engatando” bem-sucedidas carreiras
nas capas de revistas masculinas e no mundo das sub-celebrity. Vejamos: “No
samba ela gosta do rala, rala. Me trocou pela garrafa. Não aguentou e foi
ralar. Vai ralando na boquinha da garrafa. É na boca da garrafa. Vai
descendo na boquinha da garrafa. É na boca da garrafa”.
A letra dispensa comentários e, por si só, revela a mais absoluta falta de
respeito próprio, menos de quem compôs e produziu o grupo — um empresário na
tarefa de lucrar na indústria do kitsch —, mais da parte de quem anotou na sua
biografia momentos de supremo constrangimento “ralando na boquinha da
garrafa”.
Quanto ao exibicionismo a que me refiro como caracterizador do período, este se
notava na quantidade imensa de pessoas que passaram a trajar abadás
multicoloridos qual uniformes denotativos de um suposto status citadino jovem,
com os símbolos do “carnaval fora de época”. Havia mesmo uma hierarquia curiosa
nas vestimentas: dependendo da cor do abadá, o sujeito era “playboy/patricinha”
ou “pobre/povão”, pois já se sabia antecipadamente o preço elevado que se
pagava para estar no bloco da “cervejada” ou dos “chicleteiros”, relegando o
setor da “pipoca” para o vulgacho empobrecido. Foi também uma época de
criatividade única no desenvolvimento de coreografias para as muitas “danças”
que surgiam: do vampiro, da manivela, da tartaruga, do tamanduá, do morcego.
Quase toda a fauna brasileira foi vilipendiada, digo, homenageada nessas composições.
Ivete Sangalo merece uma atenção especial. Originalmente vocalista da Banda
Eva, seguiu o caminho para o qual todo “artista” de axé está direcionado: a
carreira solo. Sangalo soube aproveitar como ninguém a catapulta. Carismática e
muito bem assessorada, ela sabia que seu repertório grotesco não a sustentaria
mais do que alguns verões fora de Salvador. Assim, tratou de cultivar uma
imagem que a projetasse como cantora para além da axé music, que principiava a
agonizar nas vendas das gravadoras. Hoje, contando com o apoio de quase toda a
mass media brasileira, que a tem por “grande cantora”, é empurrada “goela
abaixo” do público pela televisão, que lhe dá um espaço imenso nos principais
canais abertos, sem contar os sucessivos apelos propagandísticos. Mas nem toda
a máquina publicitária pode esconder a péssima qualidade do seu repertório, que
não resiste a um exame qualitativo mais minucioso. "Carro velho",
sucesso comercial na sua voz, revela bem o quão criativa é a leitura de mundo
da cantora: “Cheiro de pneu queimado. Carburador furado. Coração
dilacerado. Quero meu negão do lado. Cabelo penteado. No meu
carro envenenado. Eu vou, eu vou, então venha. Pois eu sei.
Que amar a pé, amor. É lenha”.
Nos anos 2000, no entanto, a axé music entrou em colapso no mercado. Os
carnavais fora de época (micaretas) foram aos poucos desaparecendo pela perda
crescente de público. Os grupos “clássicos” do período deixaram de existir não
por brigas de seus integrantes, mas pela simples falta de shows. O mercado usou
e abusou da axé music enquanto era lucrativa. Quando deixou de sê-lo,
descartou-a, substituída que foi, nas rádios comerciais, pelo forró
universitário e pelo funk carioca (cuja nomenclatura correta é “batidão”). Nem
mesmo o movimento da “suingueira”, capitaneado por “pérolas” do nível de “Rebolation”,
associado a um amplo apelo midiático que tem por diretriz espicaçar os
“sucessos do carnaval”, conseguiu ressuscitar o declínio inexorável daquele
gênero musical moribundo.
O
jovem hedonista do século 21 no Brasil
Entretanto, o mercado, no capitalismo, nunca pode parar na sua incessante busca
pela rentabilidade. Ele precisa encontrar novos meios de entretenimento que
gerem lucros vultosos. A fórmula mais fácil disso é, indiscutivelmente,
estimular a imbecilidade da juventude. Sem escrúpulos.
Os meios de comunicação de massa cumprem, então, o seu papel: associam a ideia
de “ser jovem” com a de “ser um imbecil”, aqui entendido como um irresponsável,
que não se importa com nada que não seja o próprio prazer, imediato, rápido,
fluido, como deve ser a linguagem nos tempos da globalização digital.
O sertanejo universitário surge nesse contexto. Ele vem ocupar o espaço dos
ritmos que se prestam a proporcionar “diversão sem compromisso”, expressão que
não quer outra coisa senão mascarar a baixíssima qualidade da música produzida,
além de servir como sentença de absolvição da mediocridade humana de quem ouve
esse estilo. Entender o estereótipo do sertanejo universitário, dessa maneira,
afigura-se como sendo da mais alta relevância para a compreensão da ideia
corrente do que é ser um jovem hedonista no século 21. É o desafio a que me
proponho a partir de agora.
O perfil estereotípico do sertanejo universitário
Naturalmente, numa empresa dessa envergadura, precisarei recorrer às letras de
algumas das composições mais representativas do estilo. Cuida-se de analisar
como pensam os grandes artistas do gênero para, ao final, robustecer um juízo
estético-sociológico sobre este conceito indecifrável do “sertanejo
universitário”.
Nesse sentido, creio que uma das suas primeiras características é o desapego
aos estudos. O sertanejo universitário é um hedonista por excelência. Seu
adágio popular dileto, alçado à condição de mote da própria vida, é o clichê:
“Pra que estudar se o futuro é a morte?”.
Desse modo, pode ser concebido como um jovem, de péssima formação intelectual e
que, a despeito de cursar uma faculdade, não está nem um pouco preocupado com
os estudos. Para ele, só existe a balada (o prazer imediato). É o que notamos
na composição “Bolo doido”, da dupla “Guilherme e Santiago”: “Ai ai ai
sexta-feira chegou! quem não guenta bebe leite e quem guenta vem comigo. Na
sexta-feira o bar virou uma micareta. Mulherada foi solteira e os meus
amigos loucos pra beber. Da faculdade eu fui pra festa tomar todas com a
galera. E fiz amor até amanhecer. Toquei direto, fui à praia com as
gatinhas na gandaia. Minha galera bota é pra ferver. Segunda de
madrugada, travado, cheguei em casa. Sete horas acordei com uma ressaca,
tinha prova pra fazer”.
Mas o sertanejo universitário, para levar uma vida de “baladeiro”, necessita de
dinheiro, pois o vil metal tem o condão de, simultaneamente, torná-lo cliente
especial da sociedade de consumo e despertar o interesse das garotas mais
lindas da balada — verdadeiras empreendedoras no varejo dos relacionamentos
humanos. Ele é, assim, um sujeito endinheirado. É o que se observa na composição
“Camaro amarelo”, da dupla Munhoz e Mariano: “Quando eu passava por você. Na
minha CG você nem me olhava. Fazia de tudo pra me ver, pra me
perceber. Mas nem me olhava. Aí veio a herança do meu ‘véio’. E
resolveu os meus problemas, minha situação. E do dia pra noite fiquei rico.
‘To’ na grife, ‘to’ bonito, ‘to’ andando igual patrão. Agora eu fiquei doce
igual caramelo. ‘To’ tirando onda de Camaro amarelo. E agora você diz: vem cá
que eu te quero. Quando eu passo no Camaro amarelo”.
Já sabemos, portanto, que o sertanejo, do tipo universitário, é jovem, de
posses, sai da faculdade com seu Camaro amarelo direto para a balada e “bota a
galera pra ferver”. Há quem lhe custeie os estudos. E, ainda que ao final de
quatro ou cinco anos saia da faculdade no nível de um analfabeto funcional,
seus genitores são suficientemente influentes para arranjar-lhe uma boa posição
na iniciativa privada ou mesmo no serviço público.
O sertanejo universitário é sujeito destemido, porém sensível. Tem o dom da
poesia incrustado nas suas veias. Na balada, este santuário da “pegação da
mulherada”, sente a verve aflorar com facilidade, produzindo versos
riquíssimos, como os que se notam na composição “Ai se eu te Pego”, do cantor
Michel Teló: “Sábado na balada. A galera começou a dançar. E passou a menina
mais linda. Tomei coragem e comecei a falar. Nossa, nossa. Assim você me
mata. Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego”.
De fato, é preciso ser muito perspicaz para rimar “dançar” com “falar”.
Sobretudo, me impressiona a profundidade dos versos: quando passa a menina mais
linda, ele toma coragem e fala. É um movimento controlado, premeditado. O eu
lírico “toma coragem” e “parte para a caça” na balada. Inspirado pela beleza da
garota, ele se aproxima e a corteja de uma maneira que qualquer mulher, de
Carla Perez a Susan Sontag, sentir-se-ia enamorada: “Ai se eu te pego”, “ai se
eu te pego”, ele repete à exaustão o verso aos ouvidos da “garota mais
gostosa”.
Contudo, talvez a característica mais significativa desta personagem — o
sertanejo universitário — seja mesmo a preferência pelo “idioma da velocidade”.
Sertanejo que é sertanejo universitário evita a prolixidade; é sucinto, direto,
objetivo. Sua linguagem despreza floreios verbais, construções frasais longas,
vocábulos de difícil entendimento. Dado o portento de seu talento poético, ele
acentua a desnecessidade do vocabulário complexo, adepto que é da lógica do
“dizer muito com muito pouco” ou do “falar fácil é que é difícil”. Conhecedor
profundo da fonologia da gramática da língua portuguesa, ele lança mão do rico
alfabeto fonético do idioma românico-galego e, conjugando-o com seu ideal
filosófico de concisão e com as técnicas redacionais modernas que enaltecem o
“texto enxuto”, passa a compor valorizando a mínima emissão de voz na entonação
dos seus versos, economizando em palavras o que pode expressar, em seu
entender, perfeitamente com vocábulos monossílabos. É daí que nasce a tendência
manifesta das composições do estilo em priorizar a vocalização de uma única sílaba.
Exemplificativamente, temos: “Eu quero tchu, eu quero tcha”, de João Lucas e
Marcelo: “Eu quero tchu, eu quero tchã. Eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tchã.
Tchu tcha tcha tchu tchu tchã”.
“Eu quero tchu, eu quero tcha” é, sem dúvida, um dos mais formidáveis exemplos
de como se pode economizar palavras, de como se pode fundir o dígrafo
consonantal “ch” com o “t” e uma vogal (“a” ou “u”) e criar um hit nacional. O
significado poético-filosófico do “tchu” e do “tcha” na composição também
merece registro: o eu lírico cria um jogo de contrastes, antitético como as
leis da dialética, onde o “tchu” só existe para o “tcha”, de modo que não pode
haver “tcha” sem “tchu” nem “tchu” sem “tcha”. Daí o porquê de invocar-se as
expressões alternadamente, silabando-as na velocidade da luz: “Tchu tcha tcha
tchu tchu tchã”.
Na mesma linha vem a composição “Tchá tchá tchá”, cantada por Thaeme e Thiago:
“Ai que vontade, ai que vontade que me dá. De te colocar no colo e fazer
o tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá
tchã. De beijar na sua boca fazer o tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá
tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchã. De beijar na sua boca e fazer o
tchá tchá tchã”.
Outro exemplo notável do uso de monossílabos é observável em “Lê lê lê”, de
João Neto e Frederico. Vejamos: “Sou simples. Mas eu te garanto. Eu sei fazer
o Lê lê lê. Lê lê lê. Lê lê lê. Se eu te pegar você vai ver. Lê lê lê. Lê
lê lê”.
Mais uma vez temos o eu lírico usando de monossílabos, economizando em palavras,
porque riqueza vocabular tornou-se algo desprezível. Sendo possível conotar com
um mero “lê”, por que falar mais? O “lê, lê, lê”, no entanto, guarda uma
mensagem subliminar perigosa: se tomado isoladamente na segunda pessoa do
imperativo afirmativo, pode vir a constituir-se em ordem para leitura. Nada
mais distante do que pretende o compositor e a “filosofia de vida” que anima o
sertanejo que frequenta a universidade. Logo, é preciso apreender o “lê lê lê”
de maneira contextualizada, ou seja, como registro onomatopaico que emula o
sentimento de auto compensação libidinosa do eu lírico diante da vergonha que
é, numa sociedade de consumo, ter uma condição financeira oprobriosa.
A era da imbecilidade monossilábica
A partir das breves linhas expostas acima, penso que o leitor já se encontra
habilitado a conceituar este personagem enigmático do cancioneiro nacional: o
sertanejo universitário. Trata-se de um modelo hedônico de uma sociedade
capitalista hedonista, marcadamente voltado ao consumo, onde ser um “idiota”,
um “imbecil completo”, não só não é motivo de desonra — própria e familiar —
como se consubstancia num status socialmente tolerado (diria mesmo instigado).
É o estereótipo desejável da sociedade globalizada por relações líquidas sob o
elo do idioma da velocidade: no falar, no vestir, no relacionar-se, tudo que se
refere ao gênero humano passa numa piscadela. Na música, não é diferente.
Predomina o sertanejo universitário como o modelo supremo da juventude
irresponsável, mediocrizada, de baixíssimo nível cultural. As composições são
cunhadas no esteio da pobreza vocabular de quem as escreve, mas também de quem
as canta — em ambos os casos denunciando a mais absoluta falta de leitura. É um
autêntico movimento circular, no qual aquele que nada tem a oferecer
intelectualmente alimenta com sua arte quem já se encontra morrendo de inanição
cerebral.
Por essas razões é que me sinto autorizado a declarar que, depois da hecatombe
cerebral que a axé music proporcionou na década de 1990, contribuindo decisivamente
na deseducação do povo brasileiro com seus versos de “balançando a bundinha” e
“boquinha da garrafa”, o sertanejo universitário, gestado pela indústria
fonográfica em crise, desponta como o meio mais fácil de lucrar em cima do
desejo hedonístico, cotidianamente instigado pelos meios de comunicação, que
impele o jovem a aproveitar a vida a qualquer preço, de qualquer maneira, custe
o que custar — incluindo o próprio senso do ridículo daqueles aos quais falta
massa encefálica para perceber o quão patético é idolatrar “artistas” incapazes
de compor com vocábulos polissílabos. É quando aos olhos de uma garota, na
balada, torna-se “bonito” ser um completo idiota. Com o sertanejo
universitário, a MIB entrou definitivamente na “era da imbecilidade monossilábica”.
Rafael Teodoro é advogado e músico.
MiTxChelllll HISTORIADOR, FILOSOFO, PEDAGOGO